CARTA POLÍTICA
Nós, agricultores, agricultoras, organizações da sociedade civil e parceiros da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), reunidos em Juazeiro, na Bahia, entre os dias 22 e 26 de março de 2010, queremos apresentar à sociedade brasileira e internacional e aos gestores públicos do País, nos níveis federal, estadual e municipal, este documento que traduz o nosso projeto político, já em curso, de convivência com o Semiárido. A ASA buscou, na sua ação, confluir as muitas lutas e iniciativas de organizações do Semiárido e, a partir da execução dos Programas P1MC e P1+2, ganhou mais força na medida em que privilegiou a intensa participação de agricultores e agricultoras por meio de múltiplos intercâmbios, encontros, oficinas e implementações. Muitas ações se concretizaram nestes anos com mais de 300 mil cisternas
para consumo humano construídas, mais de 4.000 cisternas de produção e um sem número de outras infraestruturas de captação de água de chuva para produção, como as barragens subterrâneas, os tanques de pedra e muitos outros. São milhares de famílias antes marginalizadas e que hoje dispõem de água de qualidade para sua segurança alimentar e nutricional e agregam a isso a possibilidade de produzir para seu sustento e para a comercialização.
Somadas a estas ações, um conjunto amplo e diversificado de experiências vêm construindo as bases para um modo de vida sustentável no Semiárido.
A estratégia de rede para intervenção social no Semiárido transcende as fronteiras e limites geográficos, associa os distantes que possuem os mesmos sonhos, vontades, desejos e também enfrentam dificuldades e desafios semelhantes. A Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) inova no seu propósito de mobilização social, no método de executar programas com recursos públicos e, por último, inova na massificação do paradigma da CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO.
Durante a realização do VII Encontro Nacional da Articulação no Semiárido Brasileiro (VII EnconASA), presenciamos e confrontamos, claramente, a existência do modelo de desenvolvimento hegemônico, conservador, que por meio do agronegócio e das grandes obras, como a construção de grandes barragens, transposição de águas, de grandes perímetros irrigados, exclui as famílias de agricultores e agricultoras, amplia os processos de desertificação, contribuindo para efeitos nefastos das mudanças climáticas que ameaçam intensamente a vida no Semiárido. Modelo que concentra riquezas, concentra a água, concentra a terra, degrada o ambiente, nega conhecimentos, dentre outros.
Em contraposição ao modelo hegemônico, propomos um modelo de desenvolvimento sustentável e solidário o qual coloca a VIDA no centro de todas as ações.
Ancorados nesse modelo de desenvolvimento sustentável e solidário, a ASA propõe e executa o paradigma da CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO, no qual a região e seu povo passam a ser concebidos e reconhecidos como belos, de grande potencial econômico, de imensas riquezas culturais, com recursos naturais esplêndidos, como um povo capaz, inteligente e com poder de construir e reconstruir sua história.
Assim, a ASA, nos seus 10 anos, afirma a CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO como eixo sobre o qual devem ser formuladas as políticas públicas para a Região. Neste sentido, o paradigma do combate à seca continua dando evidências de sua insustentabilidade e não possui sentido humano e democrático, se queremos um País para todos.
Tal realidade exige da sociedade e, em especial, dos gestores públicos, ações que garantam a efetiva democratização do acesso à terra e direito ao território, assim como a democratização do acesso à água, por meio de uma densa malha hídrica constituída de pequenas obras descentralizadas que atenda aos múltiplos usos das famílias, aliada a pequenas e médias adutoras que viabilizem o abastecimento de água a pequenos aglomerados e cidades. Que reconheça e valorize a biodiversidade e os conhecimentos associados dos povos e comunidades tradicionais, verdadeiros guardiões do patrimônio genético do Semiárido. Que garanta a soberania alimentar e nutricional cumprindo o preceito legal do direito à alimentação recentemente inserido na própria Constituição Brasileira.
Que atue para construção de relações iguais entre homens e mulheres e que respeite e promova o direito da auto-organização das mulheres. Que a educação e a formação de crianças, jovens, agricultores e agricultoras sejam forjadas com base em um modelo de educação contextualizado na realidade, assentado na convivência com o Semiárido, fazendo com que a escola produza novos conhecimentos que contribuam para o desenvolvimento da comunidade/região/país. Que a produção de conhecimento se construa valorizando e articulando o saber acumulado das famílias agricultoras e o conhecimento científico a partir do paradigma da agroecologia para a convivência com o Semiárido.
Que a lógica econômica que estrutura o desenvolvimento seja assentada em novas relações para uma economia a serviço da vida e a partir de relações solidárias e não na lógica de concentração e acúmulo de poucos.
Neste sentido é que acreditamos em um futuro mais democrático e participativo para o País e o Semiárido, futuro este já em construção nas várias experiências de agricultores e agricultoras e nas políticas que as vem acolhendo.
Juazeiro/BA, 26 de março de 2010.
*Cardozo, Jeorge Luiz - Professor da Faculdade da Dom Luiz, Graduado em Filosofia, Especilaista em Educação e Assessor Técnico da Secretaria Municipal da Educação de Salvador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário