Por: Professor Cardozo
Em entrevista à publicação alemã Freitag, Noam Chomsky fala da pressão dos EUA e de Israel sobre o Irão e seu significado geopolítico. Por David Goeßmann e Fabian Scheidler.
Barak Obama obteve o Prémio Nobel da Paz em 2009, numa altura em que enviava mais tropas para o Afeganistão. O que aconteceu à «mudança» prometida?
Sou dos poucos que não está desiludido com Obama, porque não tinha muitas expectativas em relação a ele. Escrevi acerca das posições de Obama e das suas perspectivas de sucesso antes do início da sua campanha eleitoral. Conhecia a sua página web e, para mim, era evidente que se tratava de um democrata moderado ao estilo de Bill Clinton. Há, claro, muita retórica sobre a esperança e a mudança. Mas isso é como uma folha em branco onde se pode escrever o que se quiser. Aqueles que se desesperaram com o rescaldo da era Bush tentaram encontrar esperanças. Mas não existe nenhuma base para quaisquer expectativas, depois de analisada correctamente a substância dos discursos de Obama.
O governo norte-americano tratou o Irão como uma ameaça devido ao seu programa de enriquecimento de urânio, enquanto países que possuem armas nucleares como a Índia, o Paquistão e Israel escapam a essa pressão. Como encara esta actuação?
O Irão é encarado como uma ameaça porque não obedeceu às ordens dos Estados Unidos. Militarmente esta ameaça é irrelevante. O Irão não teve comportamentos agressivos fora das suas fronteiras durante séculos. O único acto agressivo verificou-se nos anos setenta sob o Xá da Pérsia quando, com o apoio dos Estados Unidos, foram invadidas duas ilhas árabes. Naturalmente, ninguém deseja que o Irão ou qualquer outro país disponha de armas nucleares. Evidentemente, sabe-se que esse país é governado, incontestavelmente, por um regime abominável. Mas apliquem-se os standards exigidos ao Irão a aliados dos americanos como a Arábia Saudita ou o Egipto e, nesse caso, apenas se pode criticar o Irão em matéria de direitos humanos. Em 30 anos, Israel invadiu o Líbano cinco vezes, com o beneplácito e a ajuda dos Estados Unidos. O Irão não fez nada que se lhe assemelhe. No entanto , este país é considerado uma ameaça porque seguiu um caminho independente e não se subordina a nenhuma ordem das autoridades internacionais.
O seu relacionamento com o Chile dos anos setenta não foi diferente. Quando este país passou a ser dirigido pelo socialista Salvador Allende, os Estados Unidos apostaram na sua desestabilização para gerar «estabilidade». Não se trata de nenhuma contradição. Era preciso derrubar o governo de Allende - a força «desestabilizadora» - para manter a «estabilidade» e poder ser restaurada a autoridade dos Estados Unidos. Verificamos agora o mesmo fenómeno na região do Golfo. Teerão opõe-se a essa autoridade.
Como avalia o objectivo da comunidade internacional de impor proximamente sanções graves a Teerão?
A comunidade internacional: curiosa expressão. A maior parte dos países do mundo pertence ao grupo dos não alinhados e apoia energicamente o direito do Irão a poder enriquecer urânio com fins pacíficos. Repetiram com frequência e abertamente que não se consideram parte da assim denominada comunidade internacional. Obviamente, só a integram aqueles que seguem as directivas dos Estados Unidos. São os Estados Unidos e Israel quem ameaça o Irão. E esta ameaça tem de ser seriamente encarada.
Por que razão?
Israel dispõe neste momento de centenas de armas atómicas e de sistemas de lançamento. Destes últimos, os mais perigosos provêm da Alemanha. Este país fornece submarinos nucleares Dolphin, que são praticamente indetectáveis. Podem equipar-se com mísseis com ogivas nucleares. Israel está preparado para testar estes submarinos no Golfo. Graças à ditadura egípcia, os submarinos israelitas podem passar pelo canal do Suez.
Não sei se isto foi noticiado na Alemanha, mas há umas duas semanas a marinha dos Estados Unidos informou que construiu uma base para armas nucleares na ilha Diego García, no oceano Índico. Ficariam aí sediados os submarinos equipados com mísseis nucleares, incluindo o denominado «destruidor de bunkers». Trata-se de foguetes que podem atravessar muros de cimento de vários metros de grossura. Foram concebidos exclusivamente para uma intervenção no Irão. O famoso historiador militar israelita Martin Levi van Creveld, um homem claramente conservador, escreveu em 2003, imediatamente após a invasão americana do Iraque, que «depois desta invasão os iranianos ficarão furiosos por não terem desenvolvido ainda nenhuma arma atómica». Na prática, e não sendo assim, como se pode evitar uma invasão? Por que razão os Estados Unidos não estão a ocupar já a Coreia do Norte? Porque ali há um instrume nto de dissuasão. Repito, ninguém quer que o Irão tenha armas nucleares, mas a probabilidade de o Irão utilizar este tipo de armas é bastante pequena e isto pode comprovar-se através dos relatórios dos serviços secretos americanos. Se Teerão quisesse equipar-se com uma única ogiva nuclear, o país seria possivelmente arrasado. Uma fatalidade desse tipo não agrada aos clérigos islamitas no governo que, até à data, não revelaram qualquer impulso suicida.
O que pode fazer a União Europeia para dissipar a tensão desta realidade tão explosiva?
Poderia reduzir o perigo de guerra. A União Europeia poderia exercer pressão sobre a Índia, o Paquistão e Israel, os países mais proeminentes que não assinaram o tratado de não proliferação de armas nucleares, para que finalmente o assinem. Em Outubro de 2009, quando se protestou contra o programa atómico iraniano, a AIEA (Agência Internacional de Energia Atómica) aprovou uma resolução, que Israel desafiou, para que este país subscrevesse o tratado de não proliferação de armas nucleares e permitisse o acesso dos inspectores internacionais aos seus sistemas nucleares. A Europa tentou bloqueá-lo e os Estados Unidos também. Obama fez com que Israel soubesse imediatamente que não devia dar qualquer importância a esta resolução.
É interessante o que se verifica na Europa desde o fim da Guerra-Fria. Aqueles que acreditaram na propaganda das décadas anteriores, deviam esperar que a NATO se dissolvesse em 1990. A organização fora criada para proteger a Europa das «hordas russas». Agora as «hordas russas» já não existem, mas a organização expande-se e viola todas as promessas que tinha feito a Gorbachov. E este foi suficientemente ingénuo para acreditar nas palavras do presidente Bush e do chanceler Kohl, de que a NATO não se deslocaria um milímetro para Este. Gorbachov acreditou, segundo afirmam os analistas de estado, em tudo o que lhe disseram. Não foi muito inteligente. Hoje a NATO expandiu-se em passos largos para Este e continua com a sua estratégia de controlar o sistema mundial de energia, os oleodutos, gasodutos e as rotas de comércio. É hoje uma demonstração do poder de intervenção dos Estados Unidos no mun do. Por que razão a Europa aceita isto? Por que razão não se impõe e olha para os Estados Unidos cara a cara?
Embora os Estados Unidos queiram continuar a ser uma superpotência militar, a sua economia desmoronou-se praticamente em 2008. Foram necessários milhares de milhões para suportar Wall Street. Sem o dinheiro procedente da China, os Estados Unidos talvez tivessem entrado em bancarrota.
Fala-se muito do dinheiro chinês e a partir deste facto especula-se muito acerca de uma deslocação de poder no mundo. Poderia a China substituir os Estados Unidos? Encaro esta pergunta como uma demonstração de extremismo ideológico. Os estados não são os únicos actores no cenário mundial. São importantes até certo ponto, mas não totalmente. Os actores que dominam os seus respectivos estados são, sobretudo, económicos: os bancos e as corporações. Se examinarmos quem controla o mundo e determina a política, deixaremos de insistir nessa transferência do poder mundial, não falando já da força de trabalho mundial. A China é o exemplo extremo. Verificam-se aí interacções entre multinacionais, instituições financeiras e o estado na medida em que isso serve os seus interesses. Essa é a única transferência de poder, mas isso não é notícia.
11/04/2010
Tradução de Helena Pitta
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Noam Chomsky, que acaba de fazer 81 anos, é o intelectual vivo mais citado e uma figura emblemática da resistência anti-imperialista mundial. É professor emérito de linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusets, em Cambridge, e autor do livro Imperial Ambitions: conversations on the post-9/11 world.
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