sexta-feira, 17 de setembro de 2010

- EUA somem na escuridão

Por Paul Krugman*

Especial Revista Fórum -

Tudo o que sabemos sobre o crescimento econômico diz que uma população culta e uma infraestrutura de alta qualidade são cruciais para o crescimento. As nações emergentes estão realizando enormes esforços para melhorar suas estradas, portos e colégios. Contudo, nos EUA estamos recuando. É a consequência lógica de três décadas de retórica antigovernamental, uma retórica que convenceu numerosos eleitores de que um dólar arrecadado por impostos é sempre um dólar mal gasto, que o setor público é incapaz de fazer algo bem feito.

As luzes se apagam em todo Estados Unidos. A cidade de Colorado Springs estampou nas manchetes dos jornais locais sua intenção desesperada de economizar dinheiro apagando um terço de seus semáforos, mas estão acontecendo coisas parecidas em todo o país, desde a Filadélfia até Fresno.

Contudo, um país que assombrou o mundo com seus visionários investimentos nos transportes, desde o canal de Erie até o sistema de autopistas interestatais, agora se encontra em um processo de despavimentação: em vários estados, os governos locais estão destruindo estradas que não já não podem mais manter e reduzindo-as a cascalho.

E uma nação que outrora valorizava a educação, que foi uma das primeiras a oferecer escolarização básica a todas as suas crianças, agora está fazendo cortes. Os professores estão sendo despedidos e os programas cancelados. No Havaí, até o curso escolar está acabando de maneira drástica. E tudo indica que no futuro mais ajustes serão feitos.

Dizem-nos que não temos eleição, que as funções governamentais básicas – serviços essenciais proporcionados durante gerações – já não são viáveis. E é certo que os governos estaduais e locais, duramente açoitados pela recessão, estão sem recursos. Mas não estariam assim se seus políticos estivessem dispostos a considerar ao menos alguns aumentos de impostos.

E no governo federal, que pode vender bônus a longo prazo protegidos contra a inflação, com uma taxa de juros básica de 1,04%, não gasta o dinheiro. Poderia e deveria oferecer ajuda aos governos locais e proteger o futuro de nossas infraestruturas e de nossos filhos.

Mas Washington está prestando ajuda aos poucos, e até isso o faz a contragosto. Devemos dar prioridade à redução do déficit, dizem os republicanos e os democratas centristas. E logo, quase em seguida, afirmam que devemos manter as subvenções fiscais para os ricos, o que terá um custo previsto de 7 bilhões de dólares durante a próxima década.

Na prática, boa parte de nossa classe política está demonstrando quais são suas prioridades: quando podem escolher entre pedir que 2% dos estadounidenses mais abastados voltem a pagar os mesmos impostos que durante a expansão da Era Clinton ou permitir que derrubem a estrutura da nação – de maneira literal no caso das estradas e figurada no caso da educação -, prefem este último.

É uma decisão desastrosa tanto a curto como a longo prazo. A curto prazo, esses cortes estatais e locais implicam um pesado empecilho para a economia e perpetuam o desemprego, que é devastadoramente elevado.

É crucial que os governos estaduais e locais tenham em mente as duras críticas da população a respeito do elevado o gasto público durante o governo Obama. Sim, o governo federal estadounidense gasta, ainda que não tanto como pensam. Mas os governos estatais e locais estão fazendo cortes. E, se somamos, o resultado é que os únicos incrementos relevantes no gasto público foram com programas de proteção social, como o seguro-desemprego, cujos custos dispararam por culpa da gravidade da crise econômica.

Isso quer dizer que, apesar do que dizem sobre o fracasso do estímulo, se observamos o gasto governamental em seu conjunto, não vemos estímulo algum. E agora que o gasto federal está reduzido, ao passo que os grandes recortes de gastos estatais e locais continuam, vamos para trás.

Mas não é também uma forma de estímulo manter os impostos baixos para os ricos? Não se percebe isso. Quando salvamos o posto de trabalho de um professor, isso ajuda o nível de emprego sem dúvida; quando, ao contrário, damos mais dinheiro aos multimilionários, é muito possível que a maior parte desse dinheiro fique imobilizada.

E sobre o futuro da economia? Tudo o que sabemos sobre o crescimento econômico diz que uma população culta e uma infraestrutura de alta qualidade são cruciais para o crescimento. As nações emergentes estão realizando enormes esforços para melhorar suas estradas, portos e colégios. Contudo, nos EUA estamos recuando.

Como chegamos a esse ponto? É a consequência lógica de três décadas de retórica antigovernamental, uma retórica que convenceu numerosos eleitores de que um dólar arrecadado por impostos é sempre um dólar mal gasto, que o setor público é incapaz de fazer algo bem feito.

A campanha contra o governo sempre planteou como uma oposição à fraude, aos cheques enviados a rainhas da segurança social que conduzem luxuosos cadillacs e a grandes exércitos de burocratas que, de um lado a outro, movem documentos inutilmente. Mas isso são mitos; nunca houve tanta fraude como assegurava a direita. E agora que a campanha começa a dar frutos, vemos o que realmente havia na linha do fogo: serviços que todos, exceto os muito ricos, necessitam, serviços que devem ser proporcionados pelo governo, como reformas nas ruas, estradas transitáveis e escolarização decente para todos os cidadãos.

Portanto, o resultado final da prolongada campanha contra o governo é que demos um passo desastrosamente equivocado. Agora, os EUA transitam por uma estrada escura, sem luz, e sem asfalto, que não leva a lugar nenhum.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

- Sete passos para erradicar o analfabetismo

Por: Professor Cardozo


Políticas Públicas


Modalidades EJA

Conheça as melhores soluções encontradas pelas cidades brasileiras que estão conseguindo alfabetizar toda a população adulta

Educação de Jovens e Adultos

Num país com dimensões continentais como o Brasil, nem sempre é fácil chegar até quem precisa ser alfabetizado. E, mesmo nas áreas mais urbanizadas, onde o acesso aos iletrados é teoricamente mais fácil, a maioria das secretarias de Educação não dispõe de estatísticas confiáveis sobre quem são os analfabetos do município.

O método mais tradicional - usar a divulgação na própria escola para atingir estudantes em potencial - nem sempre funciona. "As campanhas de alfabetização têm resultados insuficientes porque o cartaz não é a melhor forma de atrair os possíveis alunos. Visitá-los, conhecer a realidade em que vivem e conversar é a melhor forma de chamá-los para estudar", afirma Sonia Giubilei, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos (Gepeja), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Em Curitiba, a ideia bem-sucedida foi aproveitar o cadastro da Fundação de Assistência Social (FAS) para identificar os moradores de rua que não sabiam ler e escrever. Em regiões mais inóspitas, como Silves, a 330 quilômetros de Manaus, a "caçada" exigiu viagens de barco pela região (leia o destaque ao lado). "Depois que fomos atrás dos alunos e formamos a primeira turma, que deu certo, a procura aumentou", conta o professor José André Viana.

1. Encontrar quem precisa ser alfabetizado

2. Criar horários de aula para atender todos os públicos

3. Investir na formação dos professores da EJA

4. Combater os altos índices de evasão na EJA

5. Oferecer materiais didáticos adequados à faixa etária

6. Aumentar os investimentos na EJA

7. Incluir jovens e adultos com deficiência

Conheça as melhores soluções encontradas pelas cidades brasileiras que estão conseguindo alfabetizar toda a população adulta

2 Criar horários de aula para atender todos os públicos

ESTUDO DE MANHÃ, À TARDE E À NOITE Ao disponibilizar a EJA em três turnos, o CMET Paulo Freire atende públicos distintos em cada período (acima, da esquerda para direita, as turmas da manhã e da noite). No Brasil, porém, predomina o turno noturno, que contempla mais os trabalhadores.Na alfabetização de jovens e adultos, há diferentes perfis de alunos. Existem os aposentados com tempo livre, os adolescentes que trabalham durante todo o dia, profissionais que fazem bicos etc. Para que todos tenham a oportunidade de se alfabetizar, é fundamental levar em conta essas diferentes realidades. Oferecer diversos turnos é uma das maneiras de facilitar o acesso, pois é fundamental que os alunos consigam aliar as aulas ao seu dia a dia.

No Centro Municipal de Educação do Trabalhador Paulo Freire (CMET Paulo Freire), em Porto Alegre, existem horários para todos os públicos (leia o destaque acima). Flexibilizar a duração das aulas também é outro incentivo para aqueles que têm uma rotina mais dura. Em Curitiba, as aulas nas turmas de EJA de 1ª a 4ª série para moradores de rua duram apenas duas horas. "Os alunos costumam ter baixa capacidade de concentração e, por isso, achamos mais conveniente estabelecer esse limite. As aulas também são à tarde, já que, à noite, muitos trabalham em bicos nas ruas, como guardadores de carros", conta a professora Elizabeth Meucci.

Trabalhadores sazonais também merecem um esquema especial. "Nas zonas rurais, as pessoas estão condicionadas aos ciclos das safras. A escola deve se moldar a isso", afirma Márcia Oliveira, coordenadora da EJA do Instituto Paulo Freire. Em São João do Oeste, a 691 quilômetros de Florianópolis, de economia essencialmente agropecuária, 33% das aulas da alfabetização na EJA são presenciais e o restante é completado por meio de pesquisas e lições de casa. Há atividades pelo computador e tudo é corrigido pelo professor, que leva para casa as atividades e devolve tudo comentado. Segundo o Censo de 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade tem o menor índice de analfabetos do país: 0,91%.

* Considerando os matriculados na EJA de primeiro segmento do Ensino Fundamental. Fonte: IBGE 3 Investir na formação dos professores de EJA

COORDENAÇÃO PARA AJUDAR A EVOLUIR

Em Salvador, todo alfabetizador da EJA

conta com coordenador pedagógico que

assiste a suas aulas e as analisa

semanalmente, usando a observação

como subsídio para a formação continuada.

Os próprios coordenadores têm formação

contínua e são acompanhados de perto

por coordenadores gerais da Secretaria da

Educação. A aposta na capacitação, claro,

exige mais investimentos. No Brasil,

porém, o gasto por aluno de EJA segue

abaixo do das demais etapas de ensino.

É consenso entre os especialistas que a formação dos professores é o fator de maior impacto na qualidade do trabalho e no resultado positivo dos alunos. Entretanto, muitos programas de EJA apostaram no voluntariado despreparado para dar aulas, como se qualquer pessoa que soubesse ler e escrever fosse capaz de alfabetizar, o que está muito distante da verdade.

Mesmo quando se trata de formação de docentes, há sérios problemas. O principal é que a formação inicial pouco aborda a EJA. Segundo pesquisa da Fundação Victor Civita (FVC), realizada pela Fundação Carlos Chagas (FCC), a etapa é abordada em apenas 1,5% do currículo. Por isso, o investimento em formação continuada é imprescindível. O ideal é que ele inclua uma rede de apoio dentro da própria escola, como ocorre em Salvador (leia o destaque ao lado).

Em Porto Alegre, além do investimento na formação continuada, investe-se também na valorização do professor da EJA. Na rede municipal, são 450 docentes com plano de carreira idêntico ao dos que lecionam na rede regular. O resultado disso é que os educadores acabam investindo mais na própria formação (95% deles têm pós-graduação). Para Vera Masagão Ribeiro, coordenadora da ONG Ação Educativa, na capital paulista, a política é acertada. "Muitos professores encaram a EJA como uma forma de bico. É preciso resolver essas questões estruturais para o segmento se profissionalizar."

4 Combater os altos índices de evasão na EJA

Na EJA, manter os alunos em sala envolve permitir que eles conciliem as aulas com o trabalho e os afazeres domésticos. Também é preciso lidar com o fato de muitos já terem estudado e parado, o que requer cuidados em dobro para que não desistam novamente.

Procurar saber o motivo das faltas ou do desânimo dos alunos é a saída em Itapiranga, a 350 quilômetros de Manaus. Por lá, faz parte da rotina dos professores a busca pelos alunos que se ausentam muito ou que ameaçam abandonar a escola. "Ninguém no município falta mais de três dias sem receber uma visita. Buscamos entender os motivos e, com base neles, pensamos com o estudante as alternativas para que ele possa recuperar o conteúdo perdido", afirma o secretário municipal de Educação, José Melquias Josebec Santos.

O foco no aprendizado também faz parte do cardápio de Guajará, a 1.476 quilômetros de Manaus. Quando alguém falta, o professor vai até a casa passar as atividades do dia anterior. O cuidado fez com que a taxa de evasão na alfabetização de jovens e adultos do município tivesse a média de 7%, enquanto a nacional é de 32%.

Razões para abandonar a EJA*

* Considerando os matriculados na EJA de primeiro segmento do Ensino Fundamental. Fonte: IBGE 2007

Oferecer materiais didáticos adequados à faixa etária

RECURSOS COM A CARA DA EJA

Em São João do Oeste, SC, os livros

específicos preparados pela equipe

pedagógica do município privilegiam

temas atuais. Materiais adequados

ajudam a evitar desistências por perda

de interesse ou dificuldade, a razão

principal de abandono.Ignorar o percurso de vida do adulto na hora de alfabetizá-lo é um dos equívocos mais recorrentes cometidos na EJA(conheça outros no quadro abaixo). Os materiais didáticos e a metodologia de ensino precisam tratar daquilo que interessa ao aluno e faz parte do seu universo. Nesse aspecto, a novidade positiva é que a partir do ano que vem o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do MEC, disponibilizará obras voltadas à EJA. Para acompanhá-las, o ideal é que cada município produza seu próprio material, contemplando o contexto da região.

Em São João do Oeste, a qualidade dos livros elaborados pela equipe da secretaria é um dos fatores que contribuem para o baixo índice de analfabetismo (leia o destaque ao lado). Em Guajará, há um trabalho de Matemática, com o ensino de noções do sistema numérico e de geometria, com atividades que envolvem dinheiro, reconhecimento de cédulas e cálculos de compra e venda de materiais manipulados no extrativismo e na pesca, atividades que fazem parte do dia a dia da maioria dos alunos.

Os erros mais comuns

- Usar livros e materiais infantis. É preciso envolver os adultos na alfabetização com temas que lhe dizem respeito, como o mercado de trabalho e questões da atualidade.

- Desconsiderar as razões de cada um para voltar à escola. Para alfabetizar um adulto, é necessário ouvi-lo. Por que ele quer aprender a ler e escrever? Para redigir cartas? Ou ainda para lê-las em segredo, sem a necessidade de compartilhar as notícias com vizinhos? Tudo isso deve ser considerado para que a aprendizagem ganhe sentido.

- Não respeitar o nível de cada um. Adultos têm perfis, idades e ritmos de aprendizagem variáveis. O ideal é o acompanhamento individual, sem fazer comparações com colegas.

6 Aumentar os investimentos na EJA

Para combater o analfabetismo, é necessário que tanto o Governo Federal como estados e municípios priorizem o investimento na EJA. A parceria entre prefeitura e União foi a estratégia do avanço em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, que reduziu o total de analfabetos em 31% entre 2001 e 2009. Em muitos municípios, porém, é preciso melhorar a infraestrutura da modalidade, com a criação de mais centros de alfabetização.

Segundo Vera, o ideal é que a EJA tenha seus próprios espaços ou ocorra dentro de espaços de locais destinados a adultos, como universidades públicas e privadas, com murais, cantinas e horários adequados. "A EJA, no Brasil, ainda está à mercê dos horários de funcionamento das escolas da Educação Básica. Não se oferecem vários turnos justamente porque os horários já estão tomados pelo ensino regular. Além disso, é comum os adultos estudarem em salas com temáticas e materiais infantis dispostos nas paredes", enumera a especialista.

Investimento mínimo por aluno (em reais)*

* Considerando os valores de referência para o Fundeb 2010. Fonte: FNDE

7 Incluir jovens e adultos com deficiência

INCLUIR TAMBÉM JOVENS E ADULTOS

O aluno com deficiências múltiplas Renato

Dias Queiroz (de verde) aprende com

colegas e professores na EM Diógenes de

Mendonça Ribeiro, em Niterói, RJ. Ele é

um representante da pequena fatia de

estudantes com necessidades

educacionais especiais matriculados na

EJA.

Cidades brasileiras livres do analfabetismo

Prática adequada aos adultos

ESPECIAL

Educação de Jovens e Adultos

Assim como no ensino regular, para que os alunos com deficiência possam ser incluídos, é necessário que o professor saiba flexibilizar o currículo de acordo com o potencial de aprendizagem de cada um deles. O objetivo principal é envolvê-los efetivamente na aprendizagem, garantindo os recursos necessários para atender a suas necessidades, como ocorre em Niterói (leia o destaque ao lado). Integrá-los a trabalhos em grupo, estabelecendo um fluxo de colaboração e possibilitando que eles participem de acordo com sua capacidade, é um passo fundamental para um processo de inclusão eficiente.

Em outros momentos, é necessário flexibilizar materiais ou o próprio planejamento. Como às vezes esses estudantes precisam faltar por causa de compromissos médicos, o docente necessita prever tempo para a recuperação de conteúdos.

Fonte: MEC/INEP 2005

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

- Marx voltou e ameaça ficar.

Por: Professor Cardozo

Marx e Engels


Por ocasião dos primeiros sinais da atual crise econômica mundial, antes ainda do estouro da bolha das hipotecas norteamericanas, iniciou um movimento que muitos denominaram o "retorno" de Marx. Revistas de atualidade e de ampla circulação internacional publicaram sua inconfundível imagem em suas edições. O destaque de capa era Marx. Em algumas pesquisas relevantes, Marx foi eleito como um dos pensadores mais destacados de todos os tempos. Quando das operações de resgate financeiro, nos principais jornais norteamericanos se alternavam como insulto ou como elogio a retomada das idéias daquele personagem tão querido quanto odiado, nascido em Tréveris, em 1818. Não faz muitos anos, sua memória estava sepultada e sua obra engavetada e degradada por pseudoexegetas, interpretadores falsários e filisteus de toda pelagem, processo vitaminado pela direitização da social-democracia e pela implosão da União Soviética.

Mas o Marx original, sua obra - despojada das versões de tantos "marxistas" que tanto ele como Engels desprezavam já em vida - apenas começa a se projetar nos círculos acadêmicos, nas tertúlias da esquerda e nos debates políticos coerentes. No entanto, segundo o atual retrato do mundo, na economia, na política e na cultura, parece que as idéias de Marx e Engels poderão seguir ilustrando grande parte do século XXI.

Muito se perguntarão: o que é o projeto MEGA? Não se trata de um dispositivo eletrônico para espionar comunicações ou do desenho de uma nova represa gigantesca? Trata-se, na verdade, de um dos maiores empreendimentos editoriais da atualidade e, possivelmente, um dos mais destacados de todos os tempos: a nova edição crítica das obras completas de Karl Marx e Friedrich Engels (Marx-Engels Gesamtausgabe). O professor Michael Krätke, coeditor da nova MEGA, explicou durante quase duas horas as características desta espetacular iniciativa, em uma conferência realizada na Universidade de Barcelona, às vésperas do encontro internacional de Sin Permiso, realizado em Madri, em dezembro último.

O auditório da conferência - majoritariamente formado por acadêmicos e estudantes conhecedores da obra de Marx - foi surpreendido por alguns trechos da minuciosa e apaixonada exposição de Krätke, tanto por sua qualidade acadêmica, rigor conceitual, contextualização histórica e domínio dos temas sobre os quais trabalharam Marx e Engels, como pelas descobertas que virão a público com a nova MEGA.

É conhecido que os textos de Marx e de Engels sofreram múltiplas manipulações. Krätke assegurou que não há um só dos livros publicados que tenha respeitado a versão original, seja por questões políticas ou pela caprichosa tesoura dos editores. Krätke lembrou que a primeira iniciativa de reunir e publicar toda a obra de Marx e Engels iniciou em 1911, dirigida pela socialdemocracia alemã, com a participação de Karl Kautsky, Augusto Bebel e Eduardo Bernstein. Em seguida, o projeto passou para as mãos da União Soviética, em 1922, sob a direção de David Riazanov, até este ser destituído por Stálin, em 1931, e fuzilado anos mais tarde, em 1938, juntamente com seus companheiros da velha guarda bolchevique.

Na MEGA contemporânea, que começou a ser desenhada em 1960 e, estima-se, deve estar concluída em 25 ou 30 anos, trabalham 80 colaboradores de 8 países e 3 continentes. O plano original, explicou Krätke, contempla a publicação de aproximadamente 164 volumes, compreendendo os textos original, mais todos os anexos.

Os princípios acordados para o imenso reordenamento e revisão de manuscritos, vários deles inéditos, livros e artigos publicados, mais toda a correspondência Marx-Engels - e a destes como amigos, colaboradores e editores - são o respeito e a fidelidade com o original, além da certificação de sua autenticidade e sua preparação para serem editados de forma completa e integral. A equipe multidisciplinar que trabalha no MEGA realiza um acompanhamento da evolução dos textos, discute exaustivamente os mesmos, evitando ao mesmo tempo os comentários políticos.

Com a perícia de um arqueólogo que vai limpando com cuidado as peças de um achado para não danificá-lo, Krätke expôs as vicissitudes pelas quais passaram os trabalhos de Marx mais difundidos. Todos têm sua história, suas polêmicas, as marcas da manipulação, do silenciamento. Há "montanhas" de papéis: fichas, apontamentos, cartas, cadernos com cálculos matemáticos, que os entusiastas da MEGA ordenam e classificam.

No plano da nova MEGA, O Capital e todos os textos preparatórios e manuscritos, somam 15 volumes, a maior parte deles já publicados em alemão. A correspondência completa entre Marx e Engels e a destes com terceiros, compreende 35 volumes. A coleção de extratos, fichas bibliográficas e anotações marginais dos amigos inseparáveis, tomará outros 32, segundo o programa editorial.

É notável que, a 127 anos da morte de Marx, ainda existam trabalhos inéditos do autor, observou Krätke. Um deles sobre a crise financeira de 1857-1858 será publicado em breve. Segundo o pesquisador alemão, que possui uma contundente trajetória como economista e historiador, à qual se agrega seus conhecimentos da obra de Marx, o trabalho sobre a crise de 1857 lança luz para entender melhor a crise financeira e econômica atual. Aquela, como a atual, começou nos Estados Unidos1.

Krätke se encarregou de refutar, à luz das investigações até agora realizadas, as especulações sobre as diferenças entre Marx e Engels e as diligências deste em procurar ordenar a publicar a obra inconclusa de seu amigo. Pode ter cometido alguns erros, mãos o trabalho de Engels foi cuidadoso e respeitoso, assegurou.

A Espanha na obra de Marx

Mas se algo ilustra a erudição e, cabe dizer também, a coragem de Krätke, é falar da história da Espanha, em Barcelona, e diante de acadêmicos bem conhecedores dessa história. Um só dado mostra bem a importância dos trabalhos de Marx e Engels sobre a Espanha: do total da nova MEGA, uns 12 volumes contém seus ensaios, artigos e estudos vinculados ao tema. Marx nunca visitou a Espanha, mas começou a estudar espanhol em 1850 e, desde então, encontram-se em seus escritos citações de clássicos como Cervantes e Lope de Vega.

Várias vezes em sua trajetória intelectual, Marx realizou estudos sistemáticos sobre a história da Espanha. Particularmente entre os anos 1847 e 1848, e depois durante os anos 1850 e 1851, 1854 e 1855 e, por último, entre 1878 e 1882m quase ao final de sua vida. Em uma oportunidade, no período que vai de 1854 a 1855, Marx se pôs a escrever uma história crítica das mudanças revolucionárias na Espanha, precisou Krätke.

Por algum tempo, a partir de 1854, Marx escreveu sobre a situação política espanhola para o New York Daily Tribune. Vários desses artigos tiveram a participação de Engels - e fazem parte da seção da MEGA denominada "Espanha Revolucionária"2. Sobre os motivos que levaram Marx a estudar a história e a política espanhola, Krätke assinalou que encontrou aí algumas chaves importantes do que seria sua teoria política, ou, dito de outro modo, a acumulação de conhecimentos e papéis para elaborar uma teoria política.

"Marx não começa com as "leis" da história", afirmou, "ele constata e discute os fenômenos e as aparências, regularidades e irregularidades, e busca então as explicações históricas. Marx estudou em profundidade, no caso espanhol, a relação entre a formação das classes, a sociedade burguesa e o Estado Moderno. Segundo Krätke, o modelo de um primeiro Império colonial global, a forma curiosa que assumiu o absolutismo, o conceito de um liberalismo avançado e o desenvolvimento revolucionário tão particular é o que fazia da Espanha um campo de análise muito valioso para Marx. Entre outras coisas, para entender a transição do feudalismo para o capitalismo. Transição para a formação do Estado moderno, que, lembrou Krätke seguindo Marx, assumiu formas muito diversas.

Um capítulo relevante na seção da nova MEGA dedicada a Espanha trará os trabalhos de Marx sobre a Constituição de Cádiz de 1812. Frequentemente se esquece a sólida e inicial formação de Marx como jurista. A propósito da Espanha, volta a esses temas de seu interesse com a crítica às interpretações contemporâneas da Constituição de 1812, a qual valorizava por sua originalidade e pela situação política que dá origem a ela. Trabalho, por sua vez, que desperta a preocupação de Marx para uma releitura da Constituição francesa de 1791 e para a análise da Constituição espanhola de 1820. Nestes ensaios, observa Krätke, Marx reflete sobre a natureza das constituições revolucionárias, sempre "impraticáveis" e "impossíveis".

Ao retornar a suas investigações espanholas, 20 anos depois, Marx revisa outra vez os vínculos entre Espanha e a história política mundial, a formação do Estado moderno na Europa, depois do ano 1000, a Conquista e a Reconquista e o papel da Espanha como poder militar e imperialista, observou ainda o coordenador da nova MEGA.

Uma vez terminado este grande empenho da nova MEGA, seguramente as idéias de Marx e de Engels poderão seguir ecoando na segunda metade do século XXI. Esta injeção de otimismo nos animou após escutar as palavras de Krätke. Uma maior dose de otimismo exigiria pensar que, na metade deste século, se terá liberado o mundo e o marxismo da "leitura dogmática e clerical" de Marx e Engels, como desejava Manuel Sacristán, ou da "clerigalla marxista", como reclamava Franz Mehring em 1918.

NOTAS

1 Ver Michael R. Krätke, Marx, periodista económico, en Sin Permiso Nº 6, Barcelona, 2010.

2 Com tradução e prefácio de Manuel Sacristán, en 1960, a editorial Ariel de Barcelona publicou con o título de "Revolução na Espanha" os artigos jornalísticos de Marx e Engels sobre a Espanha que se conheciam então.

- DEUS NÃO CRIOU O UNIVERSO, DIZ STEPHEN HAWKING

Por: Professor Cardozo


O cientista britânico Stephen Hawking afirma em seu novo livro (inédito) que a física moderna descarta a participação de Deus na origem do Universo e que aparentemente o Big Bang foi uma consequência natural das leis da física. Trechos de "The Great Design" (O Grande Projeto, tradução livre) foram publicados nesta quinta-feira (2) pelo jornal The Times e afirma que "a criação espontânea é a razão pela qual existe algo em vez de nada". Hawking cita a descoberta de um planeta a orbitar uma estrela que não o Sol, ocorrida em 1992, como algo que faz as condições planetárias terrestres (como a relação entre a massa solar e a distância para o Sol, por exemplo) parecerem provas "muito menos convincentes de que a Terra foi cuidadosamente projetada somente para agradar a nós, seres humanos". E mais: "Devido à existência de uma lei como a da gravidade, o Universo pode e vai criar a si mesmo do nada”. O livro foi escrito em parceria com o físico norte-americano Leonard Mlodinow e tem lançamento previsto para o próximo dia 9. As duas obras anteriores de Stephen Hawking (Uma Breve História do Tempo e O Universo Numa Casca de Noz) fizeram muito sucesso não apenas nos meios especializados, mas também entre o público geral. O primeiro teve mais de 9 milhões de cópias vendidas em todo o mundo.