quinta-feira, 5 de maio de 2011

- REFLEXÕES SOBRE OS MEUS SONHOS METAFISICOS: RAZÃO OU EMOÇÃO.

Por: Jeorge Cardozo*


Não sei se devo vos justificar as minhas meditações abaixo nesse momento, porque são resultado de um sonho tão metafísicos e tão pouco comuns que talvez não seja do entendimento de todos. Mas, para ver se resta alguma coisa a meu crédito que sejam verdadeiras como meu sonho, vejo-me de algum modo compelido a dizer algo a respeito.

Como já disse acima, havia muito que eu notara nas pessoas, no que se refere aos costumes, a necessidade de ser amada, ao lado material, a necessidade de seguir, às vezes, como indubitáveis, opiniões que sabemos serem incertas. Como, porém, nesse momento, desejasse dedicar-me unicamente à pesquisa da verdade, achei melhor fazer justamente o contrário e rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida, com o objetivo de verificar se restaria, depois, alguma coisa nas pessoas que fossem verdadeiras e não hipocrisia. Assim, sabendo que os nossos sonhos às vezes nos enganam, quis supor que não havia nada que correspondesse exatamente ao que eles nos fazem imaginar que são. Como há homens e mulheres que se equivocam em seus raciocínios, mesmo quando se trata da mais simples noção de amar e cometem aí equivoco, e julgando-me também eu tão sujeito aos erros como os demais,

Finalmente, considerando que os mesmos pensamentos que temos quando acordados podem ocorrer-nos quando sonhamos dormindo, sem que haja então um só verdadeiro, resolvi fingir que todas as declarações que eu dera e recebera não eram mais verdadeiras do que as ilusões dos meus sonhos e dos meus beijos. Mas, logo depois, observei que, enquanto eu pretendia assim considerar tudo como falso, homem, mulher, natureza, amor, Deus, alma, era forçoso que eu, que amava, fosse alguma coisa. Percebi, então, no meu sonho, que essa verdade: tenho sentimento por alguém, era tão firme e tão certa que nem mesmo as mais extravagantes suposições dos meus sonhos seriam capazes de abalar. E, assim julgando, todos os meus momentos de loucubrações metafísicas poderiam aceitá-la sem qualquer escrúpulo, como o primeiro principio da relação que buscava. Rejeitei como falsas todas as promessas de amor que até então tomara por demonstrações.

Depois, examinando atentamente o que eu sou e o que são as pessoas em geral, verifiquei que podia supor que eu não tinha nenhuma noção e que não havia nenhuma relação ou lugar onde não existia a hipocrisia, bastando o fato de duvidar das coisas mundanas, das outras coisas para demonstrar, de modo bastante certo e evidente, quem eu era; ao passo que bastaria deixar de amar, mesmo admitindo que tudo o que imaginasse fosse verdadeiro, para não haver nenhuma coisa que me levasse a crer nas pessoas em geral e que eu tivesse existido de verdade. Por aí compreendi que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste exclusivamente no duvidar e que, para ser, não precisa de nenhum lugar nem depende das coisas materiais. De modo que eu, isto é, a pessoa pela qual eu sou o que sou é inteiramente distinta da maioria das outras e até mais fácil de conhecer do que este e, mesmo que Deus não existisse, eu não deixaria de ser tudo o que sou.

Em seguida, avaliando o meu sonho, considerei, em geral, do que precisa uma relação para ser verdadeira e dar certo, pois, tendo encontrado um amor que eu sabia ser exatamente assim, verdadeiro, devia saber também em que consiste essa certeza. E tendo notado em meu sonho metafísico a verdade que eu amo alguém, nada me assegura que eu esteja dizendo a verdade, ao mesmo tempo, que vejo claramente que, para amar, é necessário existir a reciprocidade, julguei poder tomar como regra geral que as coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas verdadeiras, havendo apenas alguma dificuldade em discernir as que concebemos distintamente como sendo a pessoa certa.

Depois, tendo refletido sobre tudo que eu escrevera, e que, por conseguinte, meu ser não era todo perfeito como Deus, por exemplo, pois para mim era claro que perfeição maior do que duvidar era conhecer e acreditar em um ser mais perfeito do que eu, deliberei procurar de onde aprendera a pensar em algo mais perfeito do que eu, e conheci, com evidência, que algo devia existir de natureza perfeita. No que concerne aos pensamentos que tinha sobre várias coisas exteriores a mim, como o amor, família, trabalho, política, justiça e milhares de outras, não me era tão difícil saber de onde provinham, porque, não vendo nelas nada que parecesse torná-las superiores a mim, podia acreditar que, se eram verdadeiras, eram dependências da minha natureza, do que esta tinha de perfeição, e, se não o eram, isso significava que provinham do nada, isto é, que me haviam sido inspiradas pelo que eu tinha sonhando. O mesmo, porém, não podia suceder com a idéia de um ser mais perfeito do que eu, pois era manifestamente impossível tirá-la do nada. E, uma vez que não é menos repugnante admitir o mais perfeito como resultado e dependência do menos perfeito do que admitir que do nada procede alguma coisa, tornava-se claro que tampouco de mim ou dos meus sonhos poderia eu tê-la recebido.

Chegava assim, à conclusão de que fora em mim introduzidas por uma natureza verdadeiramente mais perfeita do que eu e do que meus sonhos noturnos e encerrasse em si todas as perfeições das quais pudesse eu fazer uma idéia, isto é, para explicar-me numa só, palavra: Deus. Enfim, foi assim que encontrei todas as imperfeições que eu tivera em meu sonho, em um ser mais perfeito do que eu, capaz de tirar dos homens e das mulheres todas as imperfeições mundana das quais somos contaminados. Portanto, encontrei em Deus a verdadeira perfeição sobre a qual debruçara na busca pela verdade de eu ser o que sou a verdadeira imperfeição que, buscava no amor, resposta para os meus sonhos noturnos, verdadeiras loucubrações metafísicas.

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*Jeorge Luiz Cardozo é professor mestre da Faculdade Dom Luiz/Dom Pedro II e Assessor Técnico da Secretaria Municipal da Educação de Salvador.

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