Por Jeorge Cardozo*
Imaginem que um poder político ou um mandato
eletivo seja constituído a partir da compra de votos; imaginem se tivesse uma
lei que fosse necessariamente cumprida que declarasse que, quem o fizesse,
tivesse a mão cortada ou fosse enforcado. “As noções de ‘justiça’, ‘direito’,
‘liberdade’ são apresentadas se tivessem um significado independente de
qualquer interesse de classe especifico” (Harvey, 2005: 81). Nesse caso,
comprar, praticar corrupção pública, corromper eleitores, lapidar os bens
públicos, ou desviar a função do Estado para fins ilícitos seria algo
impensável, pois a responsabilidade moral e jurídica do veredicto seria de
responsabilidade de todos. Na sociedade atual, em que a corrupção é sinônima de
modernismo e as sentenças condenatórias, (são feitas pela mesma elite) bem como
as suas leis, superiores: que deveria ser enforcada em praças públicas e a
própria sociedade responsável pela sentença – que alivio!
A coisa é bastante complicada na
contemporaneidade, em que os cidadãos comuns (como eu e você), são a cara do
processo de alienação. Baseada em uma idéia capitalista burguesa de consenso,
como bem exemplifica Harvey, citando Marx e Engels a classe dirigente “domina
também como pensadora, como produtora de idéias, e regula a produção e distribuição
de idéias de sua época: assim suas idéias são idéias dominantes da época” (Harvey,
2005: 81). Delineada por uma falsa democracia preconizada também, na autoridade
jurídica e moral que, todos são iguais perante as leis, só na formalidade, como
bem diz Harvey “a classe dirigente tem de exercer seu poder em seu próprio
interesse de classe, enquanto afirma que suas ações são para o bem de todos”
(Harvey, 2005: 80). Hoje, principalmente no mundo ocidental, ser corrupto é
sinônimo de “cidadão esperto” e se alguém pensar diferentemente desse consenso
é ridicularizado e tido como “bobo” ou ultrapassado, o braço que corrompe,
rouba é, em última instância, o dos “cidadãos que fazem e executam as próprias
leis e comanda as instituições executiva, legislativa e judiciária, essa
última, em menor escala – o cidadão comum onde fica? Mesmo que o cidadão comum
seja indiscutivelmente culpado, pela legitimação dessa moral, pairam mil
dúvidas sobre o seu grau de conhecimento de causa, efeito e conseqüência que,
obviamente, não existe.
Matar um condenado de roubar bem público
seria uma festa, pois é bom celebrar o trunfo de uma moral tecida de
complexidade. As conseqüências trazidas ao país pelos atos de corrupção, mau
uso da máquina administrativa tanto no Estado brasileiro, “o Estado capitalista
não pode ser outra coisa que instrumento de dominação de classe, pois se
organiza para sustentar a relação básica entre capital e trabalho” (Harvey,
2005, 84), como nas federações e nos municípios (esses últimos, em maior
escala), pois as câmaras municipais não funcionam já que são compostas, na sua
maioria por analfabetos políticos que não conhecem as leis orgânicas dos
municípios, nem mesmo os regimentos internos das câmaras municipais: há uma
espécie de vergonha nacional. Essa discrição da corrupção é apresentada como progresso:
os corruptos executam suas ações com orgulho. Mas a dita corrupção é, de fato,
um corolário da impunidade ética de nossa cultura.
Reprimimos que nossos políticos, na sua
maioria, não fazem nada! Como fazer alguma coisa se gasta milhões pra se
elegerem? Quem vai pagar toda essa farra feita durante o processo eleitoral?
Claro, a corrupção ativa ou passiva dos cofres públicos ou o caixa dois das
campanhas. Fica então respondido por que grandes partes dos políticos não
trabalham para os súditos que o elegeu! Logo, vemos a frustração nas caras de
cada individuo quando vão ao médico e não encontram a devida atenção, quando
reclamam da educação que não funciona, da segurança pública, da falta de
desporto, enfim, nada funciona – ta aí a indústria da seca, da miséria, da
moradia ufa... Prisão não resolve! É preciso cortar a cabeça. Mas aí a coisa
muda quando a pena é radical, (querem prender menores de 16 anos), como se
fosse acabar com a violência crescente, (e o exemplo, onde fica?), pois assim,
põem-se a culpa na “molecada” do gueto para nos dar a ilusão de liquidar com a
violência (aumento da violência está implícito no paradigma político e
econômico vigente), o que há de pior em nós. Nesse caso, a prisão do maior de
16 anos, servirá para limpar nossas almas. Em geral, o legislativo e a justiça
burguesa é isto: uma pressa em suprimir desejos inconfessáveis de quem faz leis
e justiça. Como especialista em política, apenas gostaria que a morte dos
corruptos dos cofres públicos, em toda a sua esfera nos servisse para exorcizar
nossos piores traumas – isso, sobretudo, porque aumentaria o meu próprio ego
moral. Contudo é possível que o flagelo não seja exorcizado, mas, iriam pensar
duas vezes antes de praticá-los.
Brasil
mostre outra cara enquanto é cedo, pois, essa aí, não tem água nem sabão que
lave.
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*Jeorge Luiz Cardozo é professor
mestre.
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