Objetivo da formação política
Realizar uma práxis militante transformadora
por: professor Eliziário Andrade
A visão de mundo da APS e sua forma de organização têm por base as referências teóricas de Marx, Engels, Gramsci, Lênin e outros pensadores revolucionários. Essas referências, no entanto, não são dogmas inquestionáveis, conhecimentos auto-reveladores, nem manuais, sobretudo no que se refere às formas de luta e de organização, que devem subordinar-se à política e às condições reais em que se dá a luta de classes, em cada momento histórico, em cada país e em cada contexto. A teoria revolucionária, portanto, não é cópia mecânica e doutrinária de qualquer modelo transposto para nosso país e realidade. Em verdade, Marx, tal como Lênin e Gramsci nunca generalizaram experiências locais, limitadas no espaço e no tempo, ao contrário, deram relevância às condições particulares e históricas em que a luta de classes e revolucionária se desenvolvem.
Para nossa compreensão do materialismo histórico dialético tem – como método e teoria – a atualidade da revolução socialista da classe despossuída dos meios de produção como premissa. Neste sentido, a revolução constitui o núcleo da doutrina marxista, como fundamento objetivo para a transformação efetiva da história e como chave para a sua compreensão enquanto teoria da práxis transformadora, visando à ruptura radical com o capital e a emancipação dos trabalhadores da lógica que explora, oprime, aliena e nega a condição humana de se desenvolver plenamente.
E mesmo na atualidade, como bem assinala Florestan Fernandes,
“(...) a necessidade da revolução contra o capital nem desapareceu para sempre, graças às ‘reformas capitalistas do capitalismo’, nem se atenuou ou foi vergada pelo nosso sistema de poder mundial do capitalismo. Essa necessidade se mantém tão viva e tão forte que a contra-revolução em escala mundial não logra atingir mais do que seus fins superficiais, ainda que isso seja bem visível nas nações capitalistas de periferia. O que importa: a ‘verdadeira revolução’ cresce juntamente com a modernização e a internacionalização do capital: a contra-revolução ativa ou reativa o seu contrário, o que faz com que hoje o marxismo seja tão verdadeiro e ameaçador na esfera da práxis, quanto na teoria” (Florestan, F. “Nós e o marxismo”. In: Cadernos Ensaio 1, S. Paulo: Ed. Ensaio, 1987).
Entre a esfera da práxis e da teoria, há uma relação dialética que nos permite compreender que só no plano prático, é possível demonstrar um conhecimento verdadeiro sobre os problemas que a realidade nos impõe. Por isso o militante em sua formação deve atentar para o que Marx adverte sobre a dimensão verdadeira ou falsa de um pensamento, de uma teoria ou reflexão sobre a realidade e os fatos.
“O problema de se ao pensamento humano corresponde uma verdade objetiva não é um problema da teoria, e sim um problema prático. É na prática que o homem tem que demonstrar a verdade, isto é a realidade, e a força, o caráter terreno de seu pensamento. O debate sobre a realidade ou a irrealidade de um pensamento isolado da prática é um problema puramente escolástico” (K. Marx. II Tese sobre Feuerbach. Obras Escolhidas. Vol.3, Rio de Janeiro: Ed. Vitória, 1963).
Entende-se que a teoria descolada da atividade prática e sensível do homem enquanto um ser social, da materialidade da sua vida e da sua cultura, não pode nos levar a nenhum conhecimento ou elucidação da essência da “coisa em si”, mas apenas há uma abstração alta referenciada na razão, em sua lógica formal e interna ou na subjetividade interior. Por esse motivo, Marx esclarece que “A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora” (Ibidem, tese III).
É preciso, todavia, compreender o critério da práxis como elemento fundante do pensamento de Marx, não como sinônimo de hiperativismo, antintelectualismo. A sua intenção quando apresenta a famosa tese XI sobre Feuerbach, “Até agora os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo; trata-se agora é de transformá-lo”, é dizer de forma profunda que a transformação do mundo é a condição de uma interpretação correta e objetiva e esta perspectiva implica num ato político, na ação, e não meramente numa solução “teórica”.
Aqui, o que Marx procura mostrar é que – independente da nossa vontade - sempre há práxis (na maior parte das vezes inconsciente) no movimento da própria realidade e história. O pensamento hegemônico e a ideologia dominante, respaldados pela fetiche da imediaticidade da vida e universalidade empírica, tendem a ocultar essa unidade profunda entre teoria e prática; busca separá-las para legitimar o universo teórico de “pura interpretação” da realidade. Mas, como o próprio Marx, enfatiza, não há leitura ingênua, compreensão pura ou neutra. Toda interpretação do mundo, toda forma de conhecimento do real está inevitavelmente situada pelo posicionamento de classes, bem como pela perspectiva político-ideológica, os interesses materiais, os condicionamentos culturais ou a subjetividade – consciente ou não – do intérprete do real que não é um ser isolado, encerrado em si mesmo, mas situa-se numa condição histórica, social, de classe e cultural.
Portanto, ao negar essa unidade dialética entre teoria e prática, entre o pensamento e a materialidade da vida real, a ideologia dominante nos impõe um conhecimento pseudoconcreto (fragmentado, aparente, desraizado, amparado apenas na dimensão empírica imediata), ocultando e desconstruindo as relações complexas da totalidade da formação sócio-econômica, jurídico-político e cultural para manter um conhecimento que é propriamente um ato de dissimulação e fuga da natureza determinativa do real, isto é, da “coisa em si” que produziu e continua – em seu movimento - gerando a existência do real. Isto porque, a burguesia enquanto sujeito histórico dominante que encarna os objetivos e a lógica que rege o capital – não pode conhecer e admitir a existência da “coisa em si”, de sua essência, a de que o mundo real é resultado de um processo de produção fundado na expropriação do trabalho (fonte geradora da riqueza) e de sua alienação. Algo que, no mínimo, abriria a possibilidade de questionamento e deslegitimação da sua própria “particularidade” histórica que a burguesia e seus aliados preferem crer que é “universal”, eterna e natural.
Por essa razão, a APS compreende que a formação política do militante, torna-se uma necessidade cada vez mais premente no seio da luta de classes, no processo de organização do proletariado, no estudo teórico do marxismo, da realidade brasileira e mundial e na perspectiva da construção da sociedade socialista, rumo ao comunismo. O que afasta de qualquer noção elitista, diletante de formação política do militante, deve ser visto, na visão de Gramsci, como um “intelectual orgânico”, no sentido de estudar, ser organizado, organizar as classes trabalhadoras e possuir um estreito vinculo com os objetivos táticos e estratégicos das classes trabalhadoras.
A APS é um meio, um instrumento a serviço da ação revolucionária e do projeto político de construção do socialismo em nosso país. Mas, para atingir esse objetivo, o militante precisa contribuir com o estudo teórico do marxismo e aprofundar o conhecimento sobre a realidade na qual intervém de forma coletiva e organizada. O que diferencia o militante da APS de um mero grupo de ativistas do movimento, que atua na realidade estimulado apenas por sua intuição, emoção e desejos imediatos, pela impulsão ou explosão dos movimentos. É muito mais que isso, consiste em se apropriar do instrumental teórico necessário à interpretação cada vez mais complexa da realidade contemporânea, capaz de orientar e conduzir sua ação sistematizada e calculada a partir da concepção tática e estratégica da nossa organização política. Trata-se de uma práxis reflexiva que interage com o conhecimento do espontâneo no seio da ação das massas e, por conseguinte, se torna verdadeiramente revolucionária. Tal é o sentido dessa formulação de Lênin: “Sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário”. É o que chamamos de práxis transformadora, criativa que não superestima o elemento espontâneo nem o elemento reflexivo isoladamente, pois, no primeiro caso, teríamos o aviltamento do papel da teoria na prática revolucionária e, no segundo, o desconhecimento dos elementos espontâneos que surgem no início ou durante o processo prático revolucionário.
A obra de Marx, no que diz respeito à transformação revolucionária da sociedade, tem por base uma justa relação dialética entre ambas as dimensões: consciência das condições objetivas da realidade e do desenvolvimento subjetivo, espontâneo do sujeito social em sua atividade política. Mas, não se passa diretamente de uma práxis espontânea a uma práxis transformadora, criativa, mesmo considerando a interação entre ambas as dimensões e a existência de vislumbres de consciência na primeira situação. Quer reportemos ao militante ou a classe trabalhadora é necessário apropriar-se de uma consciência e ideologia transformadora, contra hegemônica, socialista e revolucionária durante a atividade política e os objetivos definidos, no terreno da conflitividade social e econômica da luta de classes.
Dessa maneira, a formação política DO MILITANTE da APS, é uma preparação para a luta revolucionária, uma escola onde se disputam – no cenário da cultura dominante – a consciência e ação para um projeto socialista de transformação da sociedade para além do capital, onde se possa abrir caminho para a emancipação completa do trabalho e do homem dos ditames das leis que regem a reprodução material da sociedade capitalista. Por isso, formamos militantes, sobretudo, anticapitalistas, socialistas, comunistas e solidários, não para constituir uma seita sectária, fechada, doutrinarista, autoritária – mas sim, para realizar objetivos de forma aberta, reflexiva e transformadora; tarefas que colocarão em movimento os nossos sonhos. Sonhos possíveis que, parafraseando Lênin, podem ser escrupulosamente construídos e realizados a partir da doação voluntária e compromisso com os seus princípios e ideário.
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