segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Tunísia: O significado da primeira revolução democrática árabe do século XXI

Por: Pedro Fuentes


O 2011 começou com uma boa notícia: a derrubada do ditador Bem Alí da Tunísia (Ver o quadro da cronologia deste processo e a reprodução dos artigos do jornal espanhol “El País” em (www.internacionalpsol.wordpress.com ). A corrupção, o totalitarismo do regime e a greve foram os motores da revolução laica e democrática num país árabe no século XXI. Não foi por nada que os meios de comunicação europeus já alertavam pelas repercussões que a mesma terá. Porque, de fato, estão colocadas as condições para que a mesma não signifique apenas a derrota do regime autocrático deste país como também abre um processo novo no norte da África.

A revolução na Tunísia não está terminando com a ditadura apenas neste país como também questiona todos estes regimes. Logo põem em questão todos os governos árabes que dominam a região ­- Mohamed VI em Marrocos, Muharab no Egito, Hussein na Jordânia, entre outros. Estes governos que até o momento foram pilares fundamentais para os operativos dos Estados Unidos e Europa para manter o domínio no norte da África e no Oriente Médio; sem dúvida a região mais instável e onde está mais comprometida a ordem mundial imperialista surgida no pós-guerra.

Esses regimes, assentados na repressão, não apenas têm sido os grandes produtores de “ouro negro” exportado para o “primeiro mundo”, como também tem cumprindo um papel inestimável – desde os acordos de Camp Davis 1978 – para frear a causa palestina e impedir que triunfe sua heróica resistência. Também sua colaboração foi chave para a invasão norte-americana no Iraque. Por isso, estes regimes têm contado com o apoio dos EUA e países europeus tendo em vista assegurar a estabilidade na região, os seus investimentos, o domínio econômico deles e combater os movimentos islâmicos.

Uma historia de lutas e mobilizações

Os países do norte da África e o Oriente Médio foram cenários de grandes processos de libertação nacional que com o passar dos anos foram se degenerando. Nos anos 1950 no Egito o nasserismo derrubou a autocracia do rei Faisal e nacionalizou o canal de Suez; em 1963 a Argélia derrotou a ocupação francesa e conquistou a independência do país. Nesse país não restou burguesia e se abriu as portas para a revolução encabeçada pela Frente de Libertação Nacional de Bem Bella seguindo os passos de Cuba na ruptura com o imperialismo. Logo grandes conflitos internos na FLN fizeram com que o processo de ida ao socialismo fosse interrompido e acabou por surgir uma burguesia nativa. Na Líbia a onda de nacionalismo levou nos anos de 1970 ao poder Kadafi. Em todos os países os processos encabeçados pelo pan nacionalismo terminaram por acomodar a política imperialista na região, ao mesmo tempo em que se transformaram em regimes autocráticos que utilizaram da repressão para brecar as oposições a eles. Neste contexto, a resistência encabeçada pela Organização pela Libertação da Palestina (OLP) acabou isolada e tendo de aceitar os acordos de Camp Davis.

O vazio deixado pelo pan arabismo acabou sendo ocupado pelos movimentos islâmicos que tiveram e têm setores não sectários que são antiimperialistas conseqüentes e progressistas como o caso do Hezbolah no Líbano e o Hamas na Palestina e outras mais sectárias e fundamentalista que não tem cumprido este papel.]

Uma nova situação para o mundo árabe

A revolução na Tunísia pode abrir uma nova etapa; ela se coloca como um movimento laico e amplo – na qual a juventude tem jogado um papel fundamental –, que nasce das reinvidicações democráticas contra a repressão e a situação econômica da crise que domina a região que tem provocado altos índices de desemprego. Não por acaso o estouro ocorreu no dia 17 de dezembro quando Mohamed Bouazizi, um desempregado universitário de 26 anos, se auto incendiou como protesto contra a crise. A corrupção do regime autocrático e o desemprego crescente foram os motores das manifestações sociais encabeçadas pela juventude.

É muito difícil de acreditar que esta grande revolta que custou a vida de dezenas de jovens que deram o sangue por ela, na qual está participando um amplo setor da população, de intelectuais e de movimentos democráticos de contentem apenas com a saída de Bem Alí. Seguramente começou um novo processo na Tunísia já que os trabalhadores e o povo arrancaram as suas camisas de força que os detinham vão lutar por democracia, trabalho e salários e terão de enfrentar a dependência do FMI e dos capitais estrangeiros. O regime era o preferido do Fundo Monetário Internacional e dos países europeus. A família da esposa do presidente acumula grande parte do poder econômico do país, logo a sua queda coloca em xeque a estrutura e o modelo econômico vigente no país. Como explicava o cronista do “El País” (www.internacionalpsol.wordpress.com) “Quando compra um computador, ou um celular, um carro ou uma pasta de dente, está comprando da família”.

Bem Alí caiu como resultado desta grande mobilização e também porque o exército não entrou abertamente para reprimir. Os mais lúcidos meios de comunicação europeus estão passando o recado tanto para seus governos quanto para o exército da Tunísia. Que este último entenda e garanta como fez na “Revolução dos Cravos”, uma revolução pacífica para um regime democrático. E aconselhando para preparar por um processo de democratização da região, já que tem deixado claro que a segurança em Magreb não à seguram os “déspotas”, que é melhor abrir um processo democrático à democracia antes que novas revoluções democráticas surjam.

O que sucede no futuro dependerá principalmente do que o povo queira; como em toda a revolução esse sempre teve a primeira palavra e terá a última. A juventude da Tunísia tem lutado dia pós dia até derrubar Bem Alí. A juventude que saiu as ruas, que desafiou a repressão e o povo que a apoiou, ganharam o primeiro round. Tiveram de pagar com um alto preço de sangue e dificilmente queiram lhes entregar sem que suas reivindicações comecem a serem resolvidas. Os jovens das cidades, os democratas e os reformistas provaram hoje que é possível ganhar de uma autocracia, mesmo que ela seja apoiada pela Europa e os Estados Unidos.

Caso, como acreditamos, este processo se aprofunde, a revolta da Tunísia poderá ter profundas repercussões em todo o norte da África e Oriente Médio: as ditaduras da Argélia e Egito em primeiro lugar, mas também Marrocos, Jordânia, Líbia, Arábia Saudita podem ser os próximos passos.

Últimas noticias; a revolução se aprofunda

As últimas notícias mostram que na Tunísia há revolução democrática avança enfrentando a resistência do antigo regime. Em resposta aos saques e operações terroristas que estão fazendo as tropas vinculadas ao Ben Ali se formaram comitês por bairros de autodefesa que incluso controlam a circulação das estradas. Trata-se de um processo que se generalizou e abrange a todos os bairros populares e a muitas cidades onde atuam as bandas do Ben Alí. Por sua parte o exército há roto com o velho regime. Tropas especializadas saíram às ruas e tomaram o palácio presidencial que estava em mãos da guarda do ex-presidente.

O vácuo de poder não está ainda resolvido. O premer ministro Mahomed Gacunchi durou 16 horas no poder como presidente e foi substituído pelo presidente do parlamento. Este se apresou a convocar eleições gerais em 90 dias e está chamando a formação de um governo de unidade nacional com partidos opositores excluindo ao Partido Comunista do Tunísia que conta com influencia em sindicatos e rechaçou a formação deste governo. Miles de presos ou escaparam ou forma liberados entre eles o presidente do Partido Comunista do Trabalho.

Ao mesmo tempo, a revolução tunisina começa a ter eco nos países árabes. O jornal “El País” informa que começam a brotar protestos. A situação mais dramática “se registrou em Argélia, onde um homem de 37 anos se queimou ao “bonzo” na região da Tebessa, perto da fronteira com Tunísia, para protestar pela falta de emprego, seguindo o exemplo de uma ação que desencadeou os protestos na Tunísia. Esta é a quarta tentativa de suicídio por fogo que se registra em Argélia desde quarta-feira passada, segundo o jornal “Watan”. Em todos os casos se trata de homens jovens sem emprego”.

“Líbia, outro país magrebí, está sendo também cenário de algumas protesta nas cidades da Darna e Bengasi, onde se estariam registrando incidentes e queimas de alguns comércios. Há também focos de protestos no Trípoli, onde se desdobraram as forças de segurança”. As informações, que procedem das redes sociais de Internet, são escassas. O Governo de Kaddafi bloqueou Youtube esta tarde’.

“El País” reporta também que “milhares de universitários se manifestaram em Sanem, a capital do Yemen, para solidarizar-se com os tunisinos e chamar os povos árabes a rebelar-se contra uns dirigentes "mentirosos e assustados". "Tunísia da liberdade, Sanem te saúda mil vezes", cantaram os estudantes, que também lançaram ordens contra Alí Abdalá Saleh, presidente do Yemen há 32 anos”.

E no Jordânia encabeçaram os protestos “umas centenas de militantes de sindicatos e partidos islâmicos, que se plantaram ante a sede do Parlamento, no Ammán, para pedir a demissão do primeiro-ministro, Samir Rifai, junto com reformas políticas e eleitorais. Além disso, criticaram ao Parlamento por dar, faz um mês, um voto de confiança ao Governo com uma maioria sem precedentes”.

Cronologia dos protestos (do jornal “El País” da Espanha)

17 de Dezembro – Mohamed Bouazizi, um desempregado de 26 anos, se taca fogo em Sidi Bouzid como ato de protesto pela crise. Bouazizi faleceu no hospital no dia 5 de janeiro.

24 de Dezembro – Morrem os primeiros manifestantes por causa dos disparos da polícia num protesto em Menzel Bouzayane, uma cidade localizada no centro do país.

2 de Janeiro – Um grupo de hackers Anonymous anuncia a operação Tunísia em solidariedade as manifestações. As redes do Governo da Tunísia entram em colapso por uma série de ataques digitais.

4 de Janeiro – Os opositores anunciam uma greve geral em protesto a repressão governamental.

7 de Janeiro – As autoridade lançam uma grande operação contra os dissidentes e detém dezenas de jornalistas, ativistas e opositores ao regime. A oposição dá por desaparecido vários.

8 de Janeiro – O sindicato UGTT se soma a mobilização popular. Morrem seis manifestantes e outros seis são feridos gravemente numa manifestação em Tala. Outras três pessoas morrem em enfrentamentos com a polícia na região de Kasserine.

10 de Janeiro – Num discurso televisionado, Bem Alí tenta acalmar os ânimos da população e promete 300.000 novos postos de trabalho.

11 de Janeiro – O governo reconhece 18 mortos nos enfrentamentos, enquanto o sindicato fala em mais de 50. Continua os protestos e Bem Alí declara toque de recolher em Beja, Gafsa, Kasserine e Telab.

12 de Janeiro – O toque de recolher se estende a capital, tomada por veículos blindados. O primeiro ministro, Mohamed Ghanuchi, destitui o ministro do interior, Rafik Belhaj Kacem, e anuncia a libertação de alguns detentos.

13 de Janeiro – O presidente da Tunísia anuncia sua saída em 2014 e promete “uma completa e profunda mudança no regime político”. A violência não para nas ruas e se registra mais 13 mortos.

14 de Janeiro – Milhares de pessoas se manifestam na capital ao grito de “Fora Bem Alí!”. O presidente destitui o governo e decreta estado de sítio. Bem Alí não pode com a pressão e abandona a Tunísia. O primeiro ministro Ghanuchi assume a presidência interina do país.


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Pedro Fuentes é Secretaria de Relações Internacionais PSOL

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