Em defesa da integralidade do PNDH-3
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
Na manhã desta quinta-feira, diversas organizações de defesa dos direitos humanos estão reunidas aqui em Brasília, numa agenda que inclui encontros com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias desta Casa e com a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, para debater as alterações que o governo anunciou que fará na terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Trata-se de uma iniciativa para organizar uma resistência aos verdadeiros ataques que o Programa vem sofrendo e, infelizmente, ao recuo que vem sendo manifestado pelo governo Lula neste sentido.
No mês passado, estive aqui nesta Tribuna justamente para defender o PNDH-3 do bombardeamento público que vinha sofrendo, dos setores conservadores e reacionários deste país e também dos grandes meios de comunicação. Naquela ocasião, foram muitos os que vieram a público apoiar a integralidade do Programa e manifestar solidariedade ao Ministro Paulo Vannuchi.
Recentemente, no entanto, como resultado das pressões de setores ligados à alta hierarquia da estrutura de poder vigente – ruralistas, latifundiários, donos da mídia, militares e o episcopado católico –, o governo não resistiu e decidiu alterar pontos estratégicos no PNDH-3. O primeiro, alterado já no momento da publicação do decreto, foi o que acabou ampliando a atuação da Comissão da Verdade para analisar também o que os militares consideram como atos criminosos daqueles que resistiram à ditadura.
Agora, será a hora de retirar a diretriz de apoio ao Projeto de Lei que descriminaliza o aborto, atendendo aos pedidos da igreja em detrimento da luta histórica das feministas. Pelo mesmo lobby católico, será retirada a proibição de símbolos religiosos, tais como crucifixos nas paredes de prédios públicos, ignorando o princípio constitucional da laicidade do Estado.
Do pacote de exigências dos ruralistas – que neste caso contaram com o suporte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – cairá a necessidade de realização de audiência prévia com os envolvidos em conflitos agrários antes de decisões judiciais de reintegração de posse.
Tal aliança escusa entre os setores acima mencionados, que a todo tempo vocalizam o PNDH-3 como um documento autoritário e ameaçador às liberdades individuais, numa clara manipulação da opinião pública, também coloca sob risco a fiscalização das violações de direitos humanos praticadas pelos concessionários de rádio e TV; a proposta de taxação de grandes fortunas; de união homoafetiva e adoção de crianças por famílias homoparentais; e a própria apuração dos crimes cometidos pela Ditadura Militar, negados pelos militares no governo.
Na última semana, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio) anunciaram que também vão lançar um manifesto contra o PNDH-3. Já as entidades de imprensa – ANJ (Associação Nacional dos Jornais), Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV) e Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas) – discutiram a possibilidade de ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) com cada uma das diretrizes do programa.
Foram orientadas, nada mais nada menos, do que pelo jurista Ives Gandra Martins, que tem sido o responsável por propagar a leitura mais enviesada do PNDH que circula na opinião pública. De Ives Gandra, o presidente da Aner, Roberto Muylaert reproduziu a idéia de que o Programa Nacional de Direitos Humanos deveria ser queimado.
Neste sentido, Senhor Presidente, e sabendo que a grita conservadora está alcançando seus objetivos, é preciso dar um basta à artilharia, ou então organizar o contra-ataque. Se vão dilacerar o PNDH por pressão, corremos o risco de, muito em breve, nada ficar no Programa.
Por isso, os movimentos e organizações de defesa dos direitos humanos vieram nesta quinta a Brasília e se pronunciaram, nos últimos dias, no sentido de explicar que as modificações anunciadas para o texto não foram resultado de qualquer negociação com os movimentos sociais brasileiros, como sugeriu o ministro Vannuchi numa entrevista recente à Agência Brasil. Pelo contrário, essas propostas de alteração foram recusadas formalmente por diversas entidades da sociedade civil.
Paulo Vannuchi declarou que, para tratar da alteração do programa, reuniu-se com os ministro da Saúde, José Gomes Temporão e do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel; com o ouvidor agrário nacional, Gercino José da silva Filho, com a secretária especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéia Freire; com a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e com 11 organizações do movimento feminista.
Ora, Senhoras e Senhores deputados, como bem lembrou o manifesto distribuído pela Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais, o PNDH-3 não é um documento construído exclusivamente pela SEDH. Quaisquer alterações em seu texto deveriam ser discutidas coletivamente com o conjunto dos movimentos de direitos humanos e também com os setores do governo que participaram da construção e redação do Programa, sob pena de tais modificações serem ilegítimas e antidemocráticas.
Onde estavam tais segmentos quando o Programa foi discutido em dezenas de conferências públicas? Qual o valor que realmente queremos dar aos instrumentos de democracia participativa que vem sendo consolidados no Brasil? Que sinalização de garantia e proteção aos direitos humanos estamos dando a posições retrógadas de nossa sociedade ao recuar de tal forma com medo da opinião pública e do poder desses segmentos?
Como está, o PNDH-3 representa um avanço significativo para a efetivação dos direitos humanos como uma política de Estado no Brasil e para o respeito e cumprimento de tantos acordos, tratados e convenções internacionais ratificadas pelo nosso país e que hoje fazem parte de nosso ordenamento jurídico.
Jogar fora esta história ou parte significativa dela, como nos faz crer a intenção do governo federal, representará um retrocesso para a democracia brasileira e também para o sistema de construção participativa das políticas públicas. Será jogar fora a memória daqueles e daquelas que morreram lutando em defesa dos direitos humanos no Brasil. E, por fim, será um recado para as futuras gerações de que ainda estamos longe de fazer ouvir as vozes excluídas deste país.
Muito obrigado.
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL-SP
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