sexta-feira, 19 de março de 2010

EDUCAÇÃO NÃO É MERCADORIA.

EDUCAÇÃO NÃO É MERCADORIA.




Cardozo, Jeorge Luiz*





Em abril de 2010, o Brasil realizará a Conferência Nacional de Educação

(CONAE). Este importante fórum acontecerá a exatos nove anos da aprovação do Plano Nacional de Educação, que definiram diretrizes e metas para a educação brasileira, e deverá gerar subsídios para a construção de um novo PNE. No segundo semestre destes 2010, o IBGE publicou os resultados de mais uma Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD) e seus dados devem servir de parâmetro para os debates a serem realizados na CONAE e, por seguinte, influenciar suas deliberações. A CONAE também acontece após treze anos de experimentação da política de fundos estaduais na educação básica.



Neste contexto, há dois desafios que precisam ser enfrentados pelos delegados (as) à Conferência Nacional e por todos aqueles que participarão do processo de elaboração do novo PNE, especialmente os que advogam uma escola pública de qualidade em nosso país.



O primeiro desafio continua sendo o acesso. A taxa bruta de acesso no ensino fundamental manteve-se estável em 2008, alcançando 97,9% (contra 96,5% em 2001). Este número significativo também esconde contradições. A primeira é que continuamos tendo mais de 700 mil crianças fora da escola, que residem nas cidades mais pobres, nas zonas rurais, filhas dos brasileiros com menor nível de renda. A segunda contradição é que ficam retidos nas séries iniciais do ensino fundamental 12,4% dos alunos matriculados. Nas séries finais do ensino fundamental, 33,8% não conseguiram terminar a oitava série. Ou seja, temos 56,2% dos alunos, mais da metade, que não concluem na idade adequada esse nível de ensino. Esta situação é mais alarmante na região Norte, onde ficam retidos 20% nas séries iniciais e nada menos que 60% nas séries finais.



A PNAD também mostra que são os mais pobres os que mais sofrem com a exclusão educacional. Comparando-se o percentual de alunos de primeira e oitava série oriundos de lares com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo, observa-se que eles representam 55,4% dos alunos na primeira série e somente 36,4% na oitava série.



O acesso à creche melhorou um pouco, mas continua vergonhoso. Apenas 18,1% das crianças de zero a três anos estavam matriculadas em 2008. Na região Norte, apenas 8,4% das crianças teve acesso naquele ano. Esta desigualdade se manifesta também na área rural: apenas 7,2%. Ou seja, o acesso ainda é artigo de luxo, pois 37% das crianças ricas conseguem freqüentar uma creche, mas apenas 10,7% das crianças pobres têm a mesma oportunidade.

Dentre os jovens entre 15 e 17 anos, mais de 84% freqüentam uma sala de aula, mas a freqüência líquida no ensino médio, que mede os jovens que ingressam nesta etapa na idade correta, representa apenas 50,4%, conseqüência direta da enorme retenção de alunos no ensino fundamental. Esta taxa é de apenas 39,6% no Norte e de 36,4% no Nordeste. Na área rural temos só 33,3% de jovens estudando no ensino médio na idade correta e, dentre os negros, este percentual só alcança 42,2%.



Somente 13,6% dos jovens de 18 a 24 anos freqüentam uma instituição de nível superior em nosso país. Destes jovens apenas 23,7% conseguiram ter acesso a uma instituição pública. Apesar do investimento no Pro Uni, o número de brancos matriculados nesta faixa etária era de 20,5% contra apenas 7,7% de negros e pardos em 2008.



O segundo desafio é de elevar o investimento público na educação e rediscutir a participação dos entes federados neste esforço. Utilizando dados publicados pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) relativos aos anos de 2000 a 2007, é possível verificar que o investimento público direto com educação em relação ao Produto Interno Bruto passou de 3,9% para 4,6%, ou seja, uma elevação de 0,7% – menos que 0,1% por ano. Recordo que em janeiro de 2001, quando do debate no Congresso Nacional do Plano Nacional de Educação, a expectativa da sociedade civil era a de chegarmos em 2011 com um investimento de 10% do PIB. Devido à pressão do governo FHC este percentual baixou para 7%. Como todos sabem, o dispositivo acabou sendo vetado pelo Presidente e nunca o Congresso arranjou tempo para analisá-lo, nem o governo Lula teve disposição para orientar sua bancada para derrubá-lo.



Os dados comprovam que a participação no financiamento da educação é inversamente proporcional ao potencial arrecadador dos entes federados, ou seja, quem mais arrecada é quem menos investe em educação. A União investe apenas 0,84% do PIB. Os municípios, que são os entes federados com menor capacidade arrecadadora, investem 1,84%, quer dizer 2,19 vezes mais que a União. Esta divisão injusta fica explícita no Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), onde em 2009 os estados e municípios contribuíram com 93% dos recursos dos fundos e a União com apenas 7% – isso porque houve queda na arrecadação.



A rediscussão da participação da União no financiamento da educação, especialmente da educação básica, é tema fundamental para os debates da CONAE e do novo PNE. O Eixo V do documento de referência da Conferência, denominado “Financiamento da educação e controle social”, afirma que “urge aumentar o montante de recursos investidos na área, além de solucionar o desequilíbrio regional”, e defende uma “reforma tributária pautada pela justiça social”. São listados cinco nós críticos: revisão do papel da União na educação básica; instituição de um regime de colaboração entre os entes federados; real valorização dos trabalhadores em educação; definição de referenciais de qualidade para todos os níveis educacionais; e definição do papel da educação superior pública no processo de desenvolvimento do País.



O referido documento apenas propõe duas formas de captação de recursos: a realização de uma reforma tributária e o aumento do percentual mínimo vinculado à educação, passando a União a contribuir no mínimo com 20% dos impostos, taxas e contribuições. Os estados, distrito federal e municípios passariam para 30%.



Estas propostas mostram uma contradição entre o documento e as ações do governo. Enquanto o documento discute propostas progressistas, o governo continua firme e forte numa linha conservadora na política econômica. Em 2008, foram 522 bilhões de reais queimados no pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Com o advento da crise econômica mundial, o governo vem sendo patrono de uma gigantesca transferência de renda pública para a combalida iniciativa privada.



Para enfrentar esses dois desafios, é preciso uma nova política econômica e uma efetiva prioridade para o pagamento da dívida social com o povo brasileiro. A continuidade de políticas paliativas, a exemplo do Pro Uni ou REUNI no ensino superior, e da política de fundos para educação básica sem revisão do papel da União não será suficiente para dar o salto para o futuro de que nosso país necessita em termos educacionais.



* Jeorge Luiz Cardozo - é Professor da Faculdade Dom Luiz, Graduado em Filosofia (UCSAL/2000), Especialista em Educação (UNEB/2003) e Assessor Técnico da Secretaria Municipal de Educação de Salvador.

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