Por: Jeorge Cardozo*
GLOBALIZAÇÃO: a globalização é uma palavra que indica não que interpreta ou sintetiza, portanto, indica o problema, não a chave da sua interpretação. Sinaliza uma nova realidade da experiência vivida no final do século XX, indicando uma nova etapa e um novo quadro do processo de desenvolvimento das interdependências das nações mundiais, que, ao mesmo tempo, integra e polariza o sistema mundial, a impressionante aceleração da mobilidade e dos fluxos de pessoas, bens, capitais e símbolos, etapa e quadro que podem ser vistos em perspectiva e os passos anteriores na direção da internacionalização e da mundialização das relações entre as pessoas e o modo de produção. Mas, é preciso não cair no rito usual da idéia de globalização, nos moldes colocados pelo sistema capitalista e, se criar um modelo contra hegemônica de globalização onde todos os sujeitos estejam inseridos, diferentemente, do modelo de globalização preconizado pelo poder hegemônico do capital. Portanto, é preciso problematizar, construir modelos de teorização, observação e análise suficientemente críticos para dar conta, em uma analise aprofundada e extensa do modelo atual de globalização e das suas tendências teóricas atuais, que, esconde nas suas entrelinha, as mazelas desse paradigma globalizante preconizado pela burguesia detentora dos conhecimentos teóricos implícitos na globalização.
Portanto, para se ter uma idéia mais profunda do fenômeno ora estudada que é a globalização, faz-se necessário, pluralizar buscando uma precaução do método, para não na tentação de uniformizarmos e reduzirmos “globalizações”: que são vários fatores, várias configurações, vários efeitos da mesma dinâmica, como propõem Appadurai (1990, 1996) que a interpretação sociológica seja considerada através da mediação dos “quadros”, ou como preconiza Boaventura Sousa Santos (1995), que seja através dos “espaços estruturais”, ou seja, domestico, do trabalho, do mercado, da comunidade, da cidadania e do espaço mundial, ou então, que é o que aqui se vai ensaiar de seguida, das especializações sociais que articulam formas de organização e interação social, principalmente nas cidades contemporâneas.
Explica ele, que o quadro de complexidade da cultura estudado por ele, torna clara a dificuldade, já anteriormente notada, de se definir uma visão coerente da expressão cultural das cidades, já revelada na precariedade das tentativas de estipular imagens consistentes que as promovam no plano da competitividade em que se encontram atualmente. Portanto, há hoje, uma hibridação ou crioulização das culturas, ou o anunciado o processo de lateralização subordinante ou de resistência de certas expressões culturais identitárias presentes na cidade, estávamos, na verdade, a definir um conjunto de possibilidades abertas pela relação local-global a iniciativas culturais dispersas, cujo sucesso depende em grande parte da capacidade de recombinação e cruzamento de elementos originários dos mais diversos domínios da atividade social, econômica, artística ou cultural num sentido mais estrito.
São nesse sentido de recombinação de elementos que iremos abordar amplamente as competências práticas de agentes determinados, as especialidades compostas de interação social e os modos de intervenção na cidade, deixando, a terminar, algumas questões acerca do lugar do espaço público e da sua eventual revitalização.
A plasticidade da realidade social e a multiplicidade e articulação de campos de ação e de referencias têm originado um sentimento generalizado de ambivalência e multiplicidade de valores e levado alguns analistas a falar em caos do tempo atual. O que está em jogo, nesta perspectiva, é a idéia de excesso de significados dados às coisas e dos lugares que contesta a estratégia modernista de classificação racional. Portanto, a alternativa tem sido a valorização da metáfora da hibridação (cruzamento de espécies diferentes) ou contaminação que assinala o surgimento de categorias compósitas (constituída por mais de um elemento), seja no domínio das identidades dos sujeitos, seja nas expressões artísticas ou literárias, ou nas próprias concepções do tempo e dos espaços. A metáfora da hibridação e da contaminação, cujas origens remotam à biologia do século XIX na visão de (Young, 1994), tem subjacente (subentendido) o principio da mobilidade dos atores envolvidos e da permissividade das fronteiras, bem como da fragilidade das classificações.
Destacamos, entretanto, as zonas de intermediação entre entidades e processos que parecem relevantes para uma reflexão sobre os reajustamentos sociais e culturais decorrentes da globalização e atuantes sobre os modos de organização da cultura urbana e a relação entre espaços públicos e privados.
Portanto, destacamos deste modo, quatro zonas de intermediação: as “terceiras culturas”, as “relações sociais de estranhamento”, a “domesticidade” e o “espaço de proximidade relacional”.
ZONA DE INTERMEDIAÇÃO: TERCEIRAS CULTURAS
Terceiras culturas é como território transnacional (além das fronteiras) de negociação e resolução de problemas surgidos com a globalização e o contacto interculturais. Como exemplo disso, podemos citar os profissionais do direito internacional ou do design, intelectuais e as próprias indústrias culturais de hoje são, em princípio, detentores de competências técnicas e profissionais especificas que lhes permitem viver “entre culturas” e estabelecer comunicação entre si através da retradução dos seus sentidos e significados.
ZONA DE INTERMEDIAÇÃO: RELAÇÕES SOCIAIS DE ESTRANHAMENTO TOLERANCIA.
A relação dos cosmopolitas (elementos de vários países, universal, internacional) e profissionais das terceiras culturas com as culturas locais e os seus atores. Apesar da sua tácita relação de mútua sobrevivência, o contacto entre uns e outros não é direto nem intimista. Diríamos mesmo que configura uma relação social de estranhamento. O que melhor caracteriza a relação social de estranhamento e o fato de não corresponder nem à relação típica de interconhecimento nem a de conflito. Daí que seja uma relação inscrita na ambigüidade e, logo, portanto, na indeterminação do seu desenrolar e desfecho.
ZONA DE INTERMEDIAÇÃO 3: DOMESTICIDADE E PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS.
Uma das linhas reequacionamento do lugar do espaço doméstico na estruturação das práticas culturais tem vindo a ser problematizada através do seu confronto com as chamadas práticas de saída, portanto, estas práticas de saídas não podem ser entendidas como práticas vazias de conteúdo e convocar atividades, significados e especialidades dos jovens, na formação de estilos de vida e na mediação de processos identitárias. Em vista da tendência para que a domesticidade reforce e faça cristalizar as hierarquias sociais, relacionadas com as disposições estéticas e os contextos de socialização, portanto, urge a necessidade de políticas culturais e educativas consistentes que promovam a democratização cultural no Sul.
ZONA DE INTERMEDIAÇÃO 4: ESPAÇO SOCIAL DE PROXIMIDADE RELACIONAL
Sobre as falências das designações nominalistas dos espaços, vale a pena enunciar apenas outras duas situações que problematizam o valor heurístico (alegria por um achado ou descoberta) da dicotomia (divisão em dois) público-privado.
A primeira situação dessa dicotomia anuncia o modo como os significados da cidade e da cultura urbana mobilizam o corpo e a capacidade cognitiva e sensorial dos sujeitos, inviabilizando o sentido material das fronteiras entre o que é público e o que é privado. Exemplificando, as chamadas paisagens sonoras, olfativas ou visuais das cidades podem permitir aos sujeitos experimentarem a cena pública urbana a partir do seu mais recatado isolamento, ou, inversamente, podem invadir e intrometer-se no seu espaço pessoal e privado de modo irrestrito.
A segunda situação põe em evidencia o modo como ações materiais concretas podem alterar o significado simbólico dos espaços, interpelando de novo a sua distinção. Exemplificando, o parque ou jardim “público” que é temporariamente ocupado por cerimoniais ou festividades privadas, ou a esplanada que se instala no passeio público, ou o recanto protegido da rua onde o sem-abrigo dorme ou cozinham, da mesma maneira que, ao invés, o centro comercial é acessível a (quase) todos, são situações em que o público é privatizado e o privado se torna público ou quase público.
CONCLUSÃO
Como conclusão, retomamos as idéias de Rousseau e a sua perplexidade sobre o lugar das artes performativas na cultura urbana das pequenas cidades. Ao chegarmos ao fim deste texto, o seu receio parece-nos de grande atualidade por obrigar a refletir sobre o significado das práticas culturais nas cidades contemporâneas, qualquer que seja a sua dimensão. Os efeitos da globalização e do mercado sobre as condições de produção, circulação e consumo dos bens e serviços culturais, ao mesmo tempo em que nos põem perante cenários totalmente diversos daqueles sobre que Rousseau refletia, atualizam a sua preocupação acerca do desvirtuamento das cultuaras Locais e do sentido de lugar de Genebra, feito às mãos dos influentes programas culturais de Paris.
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*Jeorge Luiz Cardozo é professor mestre da Faculdade Dom Luiz/Dom Pedro II e Assessor Técnico da Secretaria Municipal da Educação de Salvador.
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