Por: Jeorge Luiz Cardozo*
Ao nos propormos a refletir sobre a tragédia ocorrida em Realengo, à questão que, de imediato, nos vem à mente é se essa tragédia ter-se-ia, de fato, feito sentir no seio da degradação da moral capitalista ou fato isolado como nos fazem pensar a mídia burguesa?
Duas razões, a nosso ver, justificam tal questionamento. Por um lado, o êxodo rural, fruto de uma ótica estreita e corporativa do capital que busca, de forma infrutífera, mão de obra barata e da apropriação feita pelo agro-negócio das suas terras. Destarte, a inconsistência dos valores capitalistas decorre, em grande parte, desse mesmo isolamento entre ricos e pobres, pois, a riqueza se constitui dada à própria natureza do seu objeto, que é o lucro e, por conseqüente, o incentivo ao consumismo desenfreado que, tem levado jovens de todas as classes sociais, ao escravismo do consumo a qualquer custo.
No caso específico da tragédia de Realengo, uma crítica comumente feita é de que, essas enfermidades ocorrem simplesmente por questões psicológicas ou morais, como se estas, por si só, fossem responsáveis por tais acontecimentos. No entanto, estudos feitos por críticos do modo de produção capitalistas como Boron, 2004, Poulantzas, 1978, Santos, 2002, Harvey, 2006, entre outros, que ver na degradação dos valores do modo de produção capitalista, raízes do mal que assola a sociedade atual. Esses teóricos acusam o paradigma burguês capitalista como reflexo direto e, que, de modo geral, os avanços obtidos nos diversos campos pelo capital, não contempla a grande maioria da população subalterna que vive empilhada nas favelas dos grandes e médios centros urbanos, gerando um influxo na divisão dessas conquistas que tem inibido as relações harmoniosas entre os diversos sujeitos, criando um abismo competitivo (luta de classe) entre aqueles abastados que controlam o capital e os marginalizados que, incentivados por uma eficiente superestrutura ideológica de dominação imposta pelo modo de produção capitalista, tem levado em última instância, ao consumismo, que apontam para dimensões do que se poderia chamar de uma “crise nos valores capitalistas” no seio da sociedade.
Destarte, é importante salientarmos a degradação do ambiente escolar, onde as escolas parecem mais uma prisão de Alcatraz, do que um ambiente de construção de conhecimento e de cidadania. Junto a isso, a falta de investimento no corpo docente que, marginalizado no que diz respeito à valorização dele como sujeito ator do processo de construção do conhecimento e, também, na incompatibilidade entre o seu papel de orientador educacional e o seu soldo que, é uma vergonha globalizada. Ainda, sem se falar, na grande jornada de trabalho que lhe é imposta, de até sessenta horas semanais, tirando-lhe a oportunidade de está se reciclando e fazendo investimento no “capital humano”, pois, lhes faltam tempo e capital para tais envergaduras. Juntam-se a todas essas mazelas, a falta de um programa nacional de educação que busque tirar o paradigma educacional brasileiro do puro e simples uso técnico da educação para o mercado, para um paradigma crítico, cidadão e transformador do sujeito ativo.
É claro e evidentes que não são sós esses os motivos que levam ao acontecimento de tais tragédias, porém, inevitavelmente, é reflexo direto delas.
Com efeito, só nos últimos anos, essa tragédia vem se repetindo principalmente, no grande centro do capital que é os Estados Unidos, berço da degradação dos valores capitalistas que, agora vêm exportando para o resto do mundo. É só ver que dois dias após acontecer à tragédia daqui, acontece outra também no continente Europeu, nos mostrando que as tragédias delineadas pelos degradados valores do modo de produção capitalistas está se globalizando e presente em todo o seguimento da sociedade.
ANÁLISE FINAL.
Que dimensões e que lições são essas que tais acontecimentos tão trágicos nos trazem como reflexão? De que formas podem entender ou tirar lições apropriadas, particularmente em nosso país, tão ávido de religiosidade? Este é o eixo em torno do qual procuramos desenvolver a nossa reflexão que tem ainda um caráter bastante preliminar e despretensioso.
Cremos que tragédias como essa ocorrida em Realengo na capital fluminense, portanto, têm algumas características importantes a se destacarem, visando a essa reflexão.
Em primeiro lugar, uma das características desse tipo de tragédia que já vem ocorrendo em via de regra, não só nos grandes centros do modo de produção capitalista, como também nas chamadas periferias como o caso do Brasil e mais recentemente, na periferia da União Européia. Mostra, na verdade, uma “globalização” das tragédias feitas pela mídia; esta passa, aliás, a ter uma cumplicidade na divulgação das fórmulas utilizadas por esses assassinos até então, impensadas nas periferias do modo de produção capitalista e na degradação da sua moral.
Uma segunda característica é a desmistificação do caráter das discussões feitas em torno da problemática feita pela mídia, que passa a discutir o flagelo a partir do prisma de que é um fato isolado, sem a interferência direta da mesma e na degradação da moral capitalista que, a meu ver, como dito acima, é a causa principal do problema. Com isso, dá-se a impressão de que o ocorrido é fruto único e exclusivo de uma mente doentia e isolada, sem qualquer ação ou interferência do paradigma capitalista citado acima e explicado simplesmente por psiquiatra que dão show nos programas televisivos, fundamentalmente, com explicações interpretativas e o critério de verdade se desloca do fato real que é a degradação da moral individualista capitalista para a interpretação puramente factual e isolada, desconexa e aleijada da problemática social, reflexo direto do modo de produção.
Tem-se, cada vez mais firme, a compreensão de que essas tragédias são produzidas no seio desta tensão em que está colocada a moral capitalista particularizada e totalizante, entre a subjetividade do consumismo de lado, e a objetividade da mídia em transmitir nas suas entrelinhas as suas diversas formas de violências de outro. Neste âmbito, aliás, redimensiona-se a questão do papel da Escola e da Educação na própria relação passado/presente do desenvolvimento da sociedade, intercalado com os diversos modos de produção e a degradação das suas moralidades.
Concordamos com os teóricos citados acima, que verem na degradação da moral capitalista, o eixo central das tragédias que, analisamos aqui, neste caso de forma talvez rápida demais, mas, o suficiente para colocar mais “pimenta” nessa discussão.
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*Jeorge Luiz Cardozo é professor mestre da Faculdade Dom Luiz/Dom Pedro II e Assessor Técnico da Secretaria Municipal da Educação de Salvador.
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