Especialistas apontam que tributos e encargos não são os únicos vilões
Sistema de FHC mantido por Dilma privilegia suposta competição em vez de custos de geração e distribuição na tarifa
AGNALDO BRITO DE SÃO PAULO
Quinze anos após a privatização do setor elétrico, o Brasil tem hoje uma das contas de luz mais caras do mundo. A tese de que a única razão para isso está nos tributos e nos encargos começa a perder força.
Trabalhos publicados por economistas do BNDES, técnicos do Dieese e especialistas do setor elétrico apontam que a explosão do preço da energia coincide com o período pós-privatização. O governo nega a tese.
Energia tornou-se problema no mundo, mas o que torna o caso brasileiro exótico é o fato de que mais de 80% da energia no país é hidrelétrica; perfeita, diz a literatura, para gerar tarifas módicas.
Não é o que ocorre, e o governo reconhece que algo está errado. A energia que alimenta nossos chuveiros elétricos ou nossas torradeiras tem custo equivalente à de países com geração térmica, muito mais cara.
Cresce a ideia de que a mudança de paradigma empreendida na metade da década de 90 tem muito a ver com isso. Foi quando o Brasil desmontou o antigo sistema.
Eliminou o modelo que calibrava o preço da energia para o consumidor a partir do custo da geração e da distribuição (apuradas em conjunto) e instituiu um sistema (inaugurado no governo FHC e sedimentado na gestão da ex-ministra e atual candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff) a partir do qual o preço da energia seria definido pelo mercado, com base numa suposta competição.
Roberto Pereira d'Araujo, especialista em regulação do setor (autor do livro "Setor Elétrico Brasileiro - Uma Aventura Mercantil"), mostra como a mudança conceitual distorceu a tarifa.
O Canadá, onde a geração energética é similar à brasileira, experimenta os dois modelos: o de mercado (regulação por incentivo) e o de energia pelo custo.
O consumidor de Toronto (Ontário) paga R$ 0,215 por KWh (quilowatt/hora). Lá vigora o modelo de mercado.
A população de Montréal (Québec) paga R$ 0,133 por KWh. Lá, vale o sistema de regulação pelo custo do serviço. Os valores são menores que no Brasil, mas o exemplo é usado para mostrar como modelos afetam tarifas.
Aqui, uma década e meia depois da privatização, a tarifa média está em R$ 0,35 por KWh. Em algumas regiões chega a R$ 0,40 por KWh. "Não se trata de ideologia, de direita ou de esquerda, de estatal ou empresa privada. O Brasil implantou um modelo em 1995 e o resultado é um sistema que onera a tarifa."
A estrutura de mercado gerou custos antes inexistentes. "Foi necessário criar uma estrutura enorme que não gera um quilowatt/hora para tentar mimetizar um sistema de mercado", diz.
Essa percepção não é alheia ao governo. Artigo publicado na "Revista do BNDES" ("Por que as tarifas [de energia] foram para os céus?"), por economistas do banco, aponta que tributos e encargos não são os maiores vilões da escalada tarifária. O modelo de 1995 tem mais responsabilidade sobre isso.
DISTORÇÃO
Segundo Daniel Passos, técnico do Dieese e estudioso do modelo brasileiro, o atual modelo também amplia uma distorção regional.
"O país eliminou a equivalência tarifária. Isso fez com que um consumidor de São Paulo fosse tratado da mesma forma que um morador do interior do Piauí. Fornecer energia para uma região densamente povoada exige um nível de infraestrutura. Para outra, onde não há concentração, a situação é diferente. Mas no modelo brasileiro tudo virou uma coisa só", diz.
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