quarta-feira, 13 de novembro de 2013

-GLOBALIZAÇÃO E CULTURA



Por: Jeorge Cardozo*


A globalização é uma palavra que indica não que interpreta ou sintetiza, portanto, indica o problema, não a chave da sua interpretação. Sinaliza uma nova realidade da experiência vivida no final do século XX, indicando uma nova etapa e um novo quadro do processo de desenvolvimento das interdependências das nações mundiais, que, ao mesmo tempo, integra e polariza o sistema mundial, a impressionante aceleração da mobilidade e dos fluxos de pessoas, bens, capitais e símbolos, etapa e quadro que podem ser vistos em perspectiva e os passos anteriores na direção da internacionalização e da mundialização das relações entre as pessoas e o modo de produção.

Mas, é preciso não cair no rito usual da idéia de globalização, nos moldes colocados pelo sistema capitalista e, se criar um modelo contra hegemônica de globalização onde todos os sujeitos estejam inseridos, diferentemente, do modelo de globalização preconizado pelo poder hegemônico do capital. Portanto, é preciso problematizar, construir modelos de teorização, observação e análise suficientemente críticos para dar conta de análise mais aprofundada e extensa do modelo atual de globalização e das suas tendências teóricas atuais, que, escondem nas suas entrelinhas, as mazelas desse paradigma globalizante preconizado pela burguesia detentora dos conhecimentos teóricos implícitos na globalização.

Portanto, para se ter uma idéia mais profunda do fenômeno ora estudada que é a globalização, faz-se necessário, pluralizar buscando uma precaução do método, para não na tentação de uniformizarmos e reduzirmos “globalizações”: que são vários fatores, várias configurações, vários efeitos da mesma dinâmica, como propõem Appadurai (1990, 1996) que a interpretação sociológica seja considerada através da mediação dos “quadros”, ou como preconiza Boaventura Sousa Santos (1995), que seja através dos “espaços estruturais”, ou seja, domestico, do trabalho, do mercado, da comunidade, da cidadania e do espaço mundial, ou então, que é o que aqui se vai ensaiar de seguida, das especializações sociais que articulam formas de organização e interação social, principalmente nas cidades contemporâneas.

Explica ele, que o quadro de complexidade da cultura estudado por ele, torna clara a dificuldade, já anteriormente notada, de se definir uma visão coerente da expressão cultural das cidades, já revelada na precariedade das tentativas de estipular imagens consistentes que as promovam no plano da competitividade em que se encontram atualmente. Portanto, há hoje, uma hibridação ou crioulização das culturas, ou o anunciado o processo de lateralização subordinante ou de resistência de certas expressões culturais identitárias presentes na cidade, estávamos, na verdade, a definir um conjunto de possibilidades abertas pela relação local-global a iniciativas culturais dispersas, cujo sucesso depende em grande parte da capacidade de recombinação e cruzamento de elementos originários dos mais diversos domínios da atividade social, econômica, artística ou cultural num sentido mais estrito.

São nesse sentido de recombinação de elementos que iremos abordar amplamente as competências práticas de agentes determinados, as especialidades compostas de interação social e os modos de intervenção na cidade, deixando, a terminar, algumas questões acerca do lugar do espaço público e da sua eventual revitalização.

A plasticidade da realidade social e a multiplicidade e articulação de campos de ação e de referencias têm originado um sentimento generalizado de ambivalência e multiplicidade de valores e levado alguns analistas a falar em caos do tempo atual. O que está em jogo, nesta perspectiva, é a idéia de excesso de significados dados às coisas e dos lugares que contesta a estratégia modernista de classificação racional. Portanto, a alternativa tem sido a valorização da metáfora da hibridação (cruzamento de espécies diferentes) ou contaminação que assinala o surgimento de categorias compósitas (constituída por mais de um elemento), seja no domínio das identidades dos sujeitos, seja nas expressões artísticas ou literárias, ou nas próprias concepções do tempo e dos espaços. A metáfora da hibridação e da contaminação, cujas origens remotam à biologia do século XIX na visão de (Young, 1994), tem subjacente (subentendido) o principio da mobilidade dos atores envolvidos e da permissividade das fronteiras, bem como da fragilidade das classificações.

Destacamos, entretanto, as zonas de intermediação entre entidades e processos que parecem relevantes para uma reflexão sobre os reajustamentos sociais e culturais decorrentes da globalização e atuantes sobre os modos de organização da cultura urbana e a relação entre espaços públicos e privados.

Portanto, destacamos deste modo, quatro zonas de intermediação: as “terceiras culturas”, as “relações sociais de estranhamento”, a “domesticidade” e o “espaço de proximidade relacional”.

ZONA DE INTERMEDIAÇÃO: TERCEIRAS CULTURAS

Terceiras culturas são como território transnacional (além das fronteiras) de negociação e resolução de problemas surgidos com a globalização e o contacto interculturais. Como exemplo disso, podemos citar os profissionais do direito internacional ou do design, intelectuais e as próprias indústrias culturais de hoje são, em princípio, detentores de competências técnicas e profissionais especificas que lhes permitem viver “entre culturas” e estabelecer comunicação entre si através da retradução dos seus sentidos e significados.

ZONA DE INTERMEDIAÇÃO: RELAÇÕES SOCIAIS DE ESTRANHAMENTO TOLERÂNCIA.

A relação dos cosmopolitas (elementos de vários países, universal, internacional) e profissionais das terceiras culturas com as culturas locais e os seus atores. Apesar da sua tácita relação de mútua sobrevivência, o contacto entre uns e outros não é direto nem intimista. Diríamos mesmo que configura uma relação social de estranhamento. O que melhor caracteriza a relação social de estranhamento e o fato de não corresponder nem à relação típica de interconhecimento nem a de conflito. Daí que seja uma relação inscrita na ambigüidade e, logo, portanto, na indeterminação do seu desenrolar e desfecho.

ZONA DE INTERMEDIAÇÃO 3: DOMESTICIDADE E PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS.

Uma das linhas reequacionamento do lugar do espaço doméstico na estruturação das práticas culturais tem vindo a ser problematizada através do seu confronto com as chamadas práticas de saída, portanto, estas práticas de saídas não podem ser entendidas como práticas vazias de conteúdo e convocar atividades, significados e especialidades dos jovens, na formação de estilos de vida e na mediação de processos identitárias. Em vista da tendência para que a domesticidade reforce e faça cristalizar as hierarquias sociais, relacionadas com as disposições estéticas e os contextos de socialização, portanto, urge a necessidade de políticas culturais e educativas consistentes que promovam a democratização cultural no Sul.

ZONA DE INTERMEDIAÇÃO 4: ESPAÇO SOCIAL DE PROXIMIDADE RELACIONAL

Sobre as falências das designações nominalistas dos espaços, vale à pena enunciar apenas outras duas situações que problematizam o valor heurístico (alegria por um achado ou descoberta) da dicotomia (divisão em dois) público-privado.

A primeira situação dessa dicotomia anuncia o modo como os significados da cidade e da cultura urbana mobilizam o corpo e a capacidade cognitiva e sensorial dos sujeitos, inviabilizando o sentido material das fronteiras entre o que são público e o que é privado. Exemplificando, as chamadas paisagens sonoras, olfativas ou visuais das cidades podem permitir aos sujeitos experimentarem a cena pública urbana a partir do seu mais recatado isolamento, ou, inversamente, podem invadir e intrometer-se no seu espaço pessoal e privado de modo irrestrito.

A segunda situação põe em evidencia o modo como ações materiais concretas podem alterar o significado simbólico dos espaços, interpelando de novo a sua distinção. Exemplificando, o parque ou jardim “público” que é temporariamente ocupado por cerimoniais ou festividades privadas, ou a esplanada que se instala no passeio público, ou o recanto protegido da rua onde o sem-abrigo dorme ou cozinham, da mesma maneira que, ao invés, o centro comercial é acessível a (quase) todos, são situações em que o público é privatizado e o privado se torna público ou quase público.

CONCLUSÃO

Como conclusão, retomamos as idéias de Rousseau e a sua perplexidade sobre o lugar das artes performativas na cultura urbana das pequenas cidades. Ao chegarmos ao fim deste texto, o seu receio parece-nos de grande atualidade por obrigar a refletir sobre o significado das práticas culturais nas cidades contemporâneas, qualquer que seja a sua dimensão. Os efeitos da globalização e do mercado sobre as condições de produção, circulação e consumo dos bens e serviços culturais, ao mesmo tempo em que nos põem perante cenários totalmente diversos daqueles sobre que Rousseau refletia, atualizam a sua preocupação acerca do desvirtuamento das cultuaras Locais e do sentido de lugar de Genebra, feito às mãos dos influentes programas culturais de Paris.

*Jeorge Luiz Cardozo é professor mestre da Faculdade Dom Luiz/Dom Pedro II e Assessor Técnico da Secretaria Municipal da Educação de Salvador.






-WAGNER, A “NOVA CABEÇA BRANCA” DA BAHIA


Por Jeorge Cardozo*
   
     Vou começar esse texto com uma pergunta? Então vamos lá. O Governador Jaques Wagner está se achando a “nova cabeça branca” da política baiana, ou está subestimando os seus adversários, ou quer deixar tudo entre família, já que dizem por aí que a filha do governador está a namorar o prefeito almofadinha ACM-Neto, ou quer deixar a Bahia entre amigos, tendo Rui Costa como seu fiel escudeiro, desde as épocas de militância sindical, no Sindiquímica. Posso dizer que o governador embora tenha ganhado duas eleições de forma espetaculares, mas, quando se trata de eleger parceiros, deixa a desejar é só vermos o que aconteceu com Pelegrino. Entendemos que o seu governo tem realizado boas ações, principalmente na área social, estradas, desenvolvimentos locais, mobilidade urbana e etc., e, é duramente criticado nas áreas de segurança pública, educação, saúde (embora tenha inaugurado vários hospitais regionais, que, só resolve, a priori, os problemas emergenciais), ficando devendo, em muito, na área da saúde preventiva, que leva meses para se marcar um simples exame ou uma consulta, quando se trata de especialistas em todas as áreas.
     De forma resumida, voltando à questão da sucessão baiana de 2014, podemos dizer que o candidato mais preparado politicamente e tecnicamente dentro dos quadros petistas, é o senador Walter Pinheiro, esse tem um grupo político forte internamente no partido e tem desenvoltura a nível nacional para implementar no estado politicamente e administrativamente. Mais como é comum na política nacional e aqui na Bahia não é diferente, o governador Wagner quer um candidato com perfil mais técnico do que político, ou seja, o indicado administra e ele, Wagner, faz política, olhe Lula com Dilma, por exemplo.
     No entanto, no meu entendimento, Wagner está se achando o cara “esse cara sou eu”, ou melhor, dizendo, eu sou o novo “Cabeça branca” da Bahia, eu mando, o PT atende, pois, com Walter Pinheiro, as coisas não seriam bem assim, pois, sendo Ele o governador, obviamente, iria ouvir as experiências do ex., mas, no entanto, só seguir as suas ordens, longe disso, o senador tem personalidade e independência para tal.
     Destarte, Wagner continua a subestimar os seus adversários, ao que tudo indica, indicando o nome de Rui Costa que é quase desconhecido das massas, demonstra que a “nova cabeça branca”, está a confiar por demais no seu taco para elegê-lo governador. No entanto, Wagner está esquecendo que a oposição embora “moribunda” está a se recuperar e, saindo unida em torno de um nome com viabilidade eleitoral, poderá incomodar em muito, as pretensões do governador.
     Lembramos ainda, da candidatura da também senadora Lídice da Mata, trata-se de uma figura feminina e enigmática na política baiana, que, ao fazer palanque para a dupla Eduardo/Marina ou vice-versa, vai incomodar em muito, as pretensões dos petistas. Portanto, cuidado governador, ponhas as barbas e as madeixas brancas de molho, pois, o bicho não é tão manso como está a imaginar. Quem avisa amigo é.

*Jeorge Luiz Cardozo é professor mestre.



sábado, 2 de novembro de 2013

-SOBRE ADOLFO SÁNCHEZ VÁZQUEZ

por Atilio Boron


Em 1994, o cubano-alemão Raúl Fornet-Betancourt trouxe a público um grande ensaio que tinha por objetivo passar a limpo e em linhas gerais “O marxismo na América Latina”. Seguindo o caminho da marxologia, Fornet-Betancourt nos proporcionou uma visão panorâmica da recepção da teoria marxista em nossa América, estabelecendo as grandes fases do seu desenvolvimento entre nós. Desde o impacto do pensamento utópico e dos primeiros influxos do marxismo no século XIX até a revolução cubana de 1959, o autor se dedicou a assinalar os grandes pensadores do marxismo latino-americano e, para a fase pós-1959, resolveu destacar quatro grandes teóricos, dentre eles Adolfo Sánchez Vázquez.

Ernesto Che Guevara, Juan David García Bacca, Adolfo Sánchez Vázquez e Enrique Dussel são considerados, assim, do resgate criativo do marxismo na América Latina, na melhor tradição iniciada por Mariátegui, ainda na década de 1920. Depois do falecimento de “El Amauta” – o sábio, como ficaria conhecido o peruano José Carlos Mariátegui – o continente teria assistido a uma profunda estagnação do pensamento marxista e só viria a se renovar com o período quente das revoluções cubana e nicaragüense, para não falar no episódio chileno, a partir das quais se forjaria uma arejada e consistente produção teórica inspirada no pensamento de Marx.

Neste contexto, Sánchez Vázquez é uma figura ímpar. Tendo nascido em Cádiz, em 1915, literalmente vivenciaria a guerra civil espanhola, na qual cerrara fileiras contra o ditador Franco e, com a derrota das forças resistentes, se exilaria no México onde arquitetaria sua trajetória de intelectual crítico e engajado.

Justamente no correr da década de 1960 é que Sánchez Vázquez executaria uma virada crítica em sua interpretação marxista da realidade, guinada esta que culminaria com sua obra clássica, inclusive no Brasil, intitulada “Filosofia da práxis”. Contumaz crítico da “esclerose e dogmatismo” que o “movimento comunista mundial” seguia – como se refere nos prólogos deste seu livro –, sua tese central ficou assim esculpida: “o marxismo é, acima de tudo, uma filosofia da práxis e não uma nova práxis da filosofia”. Quer dizer, para ele, “a constituição do marxismo como ciência diante da ideologia ou da utopia é, certamente, fundamental, mas só se explica por seu caráter prático; isto é, só a partir da, na e pela práxis”.

Isto demonstra a força de seu pensamento, renovando sem trair, o espírito mais profundo das teses revolucionárias que Marx e Engels proporcionaram ao movimento dos trabalhadores para mudar, agora e mais que nunca, o mundo. A práxis é seu grande legado. Sánchez Vázquez, para consolidar tal herança, dialoga com os predecessores de Marx e seus continuadores: Hegel, Feuerbach e Lênin são os preferidos quanto ao problema da “práxis”.

No entanto, a tese central de sua obra maior também é um diálogo crítico com Althusser, a quem dedica mesmo um livro, chamado “Ciência e revolução”, e cujo resultado é encontrar “dois Althusser” e valorizar aquele que encontra na práxis a síntese histórica para o marxismo e seu caráter revolucionário.

Sánchez Vázquez, contudo, foi um ícone do marxismo latino-americano porque o abriu para a renovação e duas são as marcas deste arejo: a estética e a utopia. Dedicando-se à estética, em obras como “As idéias estéticas de Marx” ou “Convite à estética”, tomou-lhe o seu quinhão prático e o historicizou na vida dos homens. O belo, o sublime e o cômico, ou seus contrários, são reais, antes que ideais, ainda que ambos possam construir uma relação potente. Talvez aí resida sua conexão moral, desenvolvida pelo pensador em um livro dos mais divulgados no Brasil, “Ética”, em que caracteriza a especificidade deste campo.

Pelo lado da utopia, realizou pujante profecia: a utopia resiste e seu caráter socialista é um dever-ser para homens e mulheres que queiram construir um novo mundo. Dessa forma, a utopia socialista permanece “não só porque continua sendo necessária, desejável, possível e realizável, embora não inevitável, como também porque, dado seu conteúdo moral de justiça, dignidade, liberdade e igualdade, esta utopia – seja ou não no futuro – deve ser”. Este é o arrebatador fechamento do livro que compila vários de seus artigos e que recebeu o nome de “Entre a realidade e a utopia”.

Daí o resgate do “Valor do socialismo”, título de um de seus últimos livros publicados em português, que se reencaminha para o devir utópico, com a força criativa da realidade latino-americana, e que se apresenta como alternativa atual e necessidade histórica para superar a contínua barbárie do capital.

Eis que o falecimento de Adolfo Sánchez Vázquez, aos 95 anos, na manhã da sexta-feira, dia 08 de julho de 2011, deixa uma grande lacuna para o marxismo criativo e crítico do continente, porém é um depoimento histórico de que podemos, e devemos, seguir na construção de uma nova realidade social a partir de uma teoria irredenta, sensível e utopicamente possível!

* Ricardo Prestes Pazello é professor da Faculdade de Direito da UFPR; pesquisador na área de antropologia jurídica, direito e movimentos sociais e marxismo latino-americano; militante da Consulta Popular; colunista do blogue assessoriajuridicapopular.blogspot.com

-SOBRE OS REGIMES DE GOVERNOS


por Atilio Boron

É uma prática profundamente arraigada que os governos adversos à dominação americana sejam habitualmente caracterizados como "regimes", pelos grandes meios de comunicação do império, pelos intelectuais colonizados da periferia e por aqueles que o grande dramaturgo espanhol Alfonso Sastre magistralmente qualificou como "intelectuais bem pensantes". A palavra "regime" adquiriu na ciência política uma conotação profundamente negativa ainda que esta não existisse na sua formulação original. Até meados do século XX falava-se do "regime feudal", do "regime monárquico", ou do "regime democrático" para aludir a leis, instituições e tradições políticas e culturais que caracterizavam cada sistema político. Contudo com a Guerra-fria e depois com a contrarrevolução neoconservadora este vocábulo mudou completamente o seu significado. No seu uso atual a palavra é empregada para estigmatizar governos ou estados que não se ajoelham perante as ordens de Washington, que por isso mesmo os caracteriza como autoritários e, em não poucos casos, como tiranias sangrentas.

Contudo, um olhar sóbrio sobre este assunto comprovaria a existência de estados abertamente despóticos que, apesar disso, os arautos da direita e do imperialismo jamais qualificariam como "regimes". Na conjuntura atual proliferam analistas políticos e jornalistas (incluindo alguns "progressistas" um tanto ou quanto distraídos) que não encontram inconveniente em aceitar o uso da linguagem estabelecida pelo império. O governo sírio é o "regime de Bashar Al Assad"; e a mesma classificação é utilizada para falar dos países bolivarianos. Na Venezuela o que existe é um "regime chavista"; no Equador é o "regime de Correia" e a Bolívia está submetida aos caprichos do "regime de Evo Morales". O fato de se terem desenvolvido nesses três países instituições e formas de protagonismo popular e funcionamento democrático, superiores aos existentes nos Estados Unidos e na maioria dos países capitalistas desenvolvidos é olimpicamente ignorado. Como não são amigos dos Estados Unidos o seu sistema político é classificado como "regime".

O duplo critério que se aplica nestes casos fica em evidência quando se observa que as infames monarquias petrolíferas do golfo, muito mais despóticas e brutais do que o "regime sírio", nunca são estigmatizadas com a palavrinha em questão. Fala-se por exemplo, do governo de Abdullah bin Abdul Aziz mas nunca do "regime saudita", apesar de este país não ter sequer um parlamento mas sim uma "Assembleia Consultiva" cujos membros são escolhidos pelo monarca entre os seus parentes e amigos; de os partidos políticos estarem expressamente proibidos e de o poder ser exercido por uma dinastia que se perpetua há décadas no poder. Exatamente o mesmo sucede com o Qatar a quem nem por rebate de consciência ao New York Times ou aos media hegemônicos da América Latina e do Caribe ocorre tratarem-nos por "regime saudita" ou "regime qatari". A Síria, ao contrário, é um "regime" – apesar de ser um estado laico no qual até há bem pouco tempo conviviam diversas religiões, onde existem partidos políticos legalmente reconhecidos e um congresso com representação da oposição. Mas nada lhe tira a alcunha de "regime". Por outras palavras, um governo amigo, aliado ou cliente dos Estados Unidos, por mais violador que seja dos direitos humanos, nunca será caracterizado como um "regime" pelo aparato propagandístico do sistema. Por outro lado os governos do Irã, Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Equador e outros mais são invariavelmente caracterizados dessa maneira. [1]

Para comprovar rotundamente a tergiversação ideológica subjacente a esta caracterização dos sistemas políticos basta recordar a forma como os publicitários da direita caracterizam o governo dos Estados Unidos, considerando-o o "non plus ultra" da realização democrática. Isto apesar de o antigo presidente Jimmy Carter dizer que o seu país "não tem uma democracia que funcione". O que há é um estado policial muito habilmente dissimulado, que exerce uma vigilância permanente e ilegal sobre os seus próprios cidadãos, e cujo feito mais importante que realizou nos últimos trinta anos foi permitir que apenas 1% da população enriqueça como nunca até aqui, à custa do estancamento dos rendimentos recebidos por 90% da população. Na mesma linha crítica da "democracia" estado-unidense (na realidade uma cínica plutocracia) encontra-se a tese do grande filósofo Sheldon Wolin, que caracterizou o regime político imperante no seu país como "um totalitarismo invertido". Segundo ele, "o totalitarismo invertido… é um fenômeno…que representa fundamentalmente a maturidade política do poder corporativo e a desmobilização política da cidadania". [2] Por outras palavras, a consolidação da dominação burguesa nas mãos dos oligopólios, por um lado, e a desmobilização política das massas, devido à apatia política, abandono e mesmo desdém pela vida pública, e a fuga individual no sentido de um consumismo insano sustentado pelo endividamento galopante, por outro. O resultado: um "regime" totalitário de novo tipo. Um democracia "peculiar", em suma, sem cidadãos nem instituições, e na qual o peso esmagador do "establishment" esvazia de todo conteúdo o discurso e as instituições democráticas, convertidas por isso num esgar sem gosto nem graça, e absolutamente incapaz de garantir a soberania popular. Ou seja, de tornar realidade a velha fórmula de Abraham Lincoln quando definiu a democracia como "o governo do povo, pelo povo e para o povo".

Em resultado desta gigantesca operação de falsificação da linguagem, o estado norte-americano é concebido como uma "administração", ou seja, uma organização que em função de regras e normas claramente estabelecidas gere a coisa pública com transparência, imparcialidade e apego ao mandato da lei. Na realidade, como afirma Noam Chomsky, nada disso é verdade. Os Estados Unidos são um "estado canalha" que viola como nenhum outro a legalidade internacional bem como alguns dos mais importantes direitos e leis do seu próprio país. Assim o demonstram, no caso interno, as revelações sobre a espionagem que a NSA e outras agências têm feito contra o próprio povo americano, já para não falar de atropelos ainda piores como os que se produzem diariamente na prisão de Guantanamo, ou a persistente ferida aberta do racismo. [3] Proponho por isso que se abra uma nova frente da luta ideológica e se comece a falar sobre o "regime de Obama", ou do "regime da Casa Branca" cada vez que tenhamos de nos referir ao governo dos Estados Unidos. Será um acto de justiça que melhora a capacidade de análise, e contribui para higienizar a linguagem política, emporcalhada e abastarda pela indústria cultural do império e a sua inesgotável fábrica de mentiras.

-SOBRE A MORTE



por Jeorge Cardozo*

Depois, do que é pra muitos, um enigma, a existência real de Deus, a morte, sem sombra de dúvidas, é um mistério que aflige grande parte da humanidade. De onde vim, pra onde vou, terá mesmo outra vida após a morte, são perguntas que, inexoravelmente, cada um nós já nos vimos diante dela. Quanto a mim, vivo tudo que nasci pra viver, não tenho medo da morte, desde que ela, a morte, venha depois do 90 anos e que seja rápida, sem sofrimento e sem dar trabalho a ninguém, pois, pela minha própria imperfeição diante da perfeição que é o universo, vejo-me compelido em acreditar em algo superior, tão perfeito, ou mais, quanto as leis do universo, portanto, Deus pra mim é isso, parafraseando Descartes, a minha própria imperfeição, diante da perfeição.
Voltando a morte, as crendices religiosas, nos tornam reféns desse medo pós morte, que é a escolha entre o céu e o inferno, como se esses dois enigmas, não estivessem presentes aqui mesmo no próprio universo. O inferno pra mim, seria a prisão (para a maioria), e o céu, as belezas da amazônia, de Galápagos, Fernando de Noronha...
Por esta causa, não choro pelos entes mortos após ter vivido tudo isso, mas, choro pelas crianças que morrem cedo de fome, miséria, guerra, violência urbana, enfim... e não tem a chance de viver o verdadeiro céu. Destarte, nós, adultos, é que escolhemos entre o céu e o inferno, o bem e o mal enfim... quanta as crianças, essas não pode escolher.
Viva os mortos que puderam, aqui na terra, viver o céu, e dele, tirar proveito dos poucos ou muitos momentos de paraíso e pasmo com aqueles que podia escolher conhecer esse céu aqui na terra, mas, no entanto, escolheram o inferno.

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*Jeorge Luiz Cardozo é professor mestre.