Por: Professor Cardozo
O Fundo Monetário Internacional, depois de impor durante anos medidas duras de ajustamento das contas públicas aos países do sul, impõe agora as suas receitas neoliberais na Europa, diminuindo os direitos laborais em favor de políticas liberais que perpetuam o sistema capitalista. Por Jérôme Duval, Damien Millet e Sophie Perchellet, do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM).
Confrontos na Gécia durante protesto contras as medidas de austeridade. Foto de Subterranean Tourist Board, FlickR
A crise actual é o meio ideal para que o FMI aplique na Europa as suas receitas ultraliberais adulteradas, receitas essas que anda a impor aos países em desenvolvimento desde o início dos anos 80. Desautorizado durante três décadas de planos de ajustamento estrutural impostos brutalmente aos povos do sul, o FMI volta ao centro do jogo político a partir do momento em que o G20 se responsabiliza pela gestão da crise, em 2008.
O sul foi o primeiro campo de batalha. A Europa é agora a sua continuação. O FMI multiplica os empréstimos a alguns países europeus que se encontram em dificuldades para pagar uma dívida pública aumentada repentinamente devido à desaceleração económica e aos planos de salvamento de bancos, cuja desenfreada procura de lucros levou, justamente, a esta crise. Em 2007, a Turquia era o único país de envergadura que ainda batia à porta do FMI. Muitos outros países como o Brasil, a Argentina, o Uruguai, as Filipinas, etc., tinham cancelado antecipadamente a sua dívida com o FMI para se libertarem da sua incómoda tutela. O tempo das vacas magras foi ultrapassado e, em menos de um ano, o FMI já abriu uma linha de crédito para uma dezena de países europeus e intervém desde essa altura em múltiplas frentes.
Agora, a instituição vê que os seus lucros quadruplicaram durante o exercício de 2009-2010 (fechado em finais de Abril), mesmo sem ter em conta a venda de parte das suas reservas de ouro. Lucros que são de 534 milhões de dólares face aos 126 milhões de dólares do exercício anterior. Confiar a gestão da crise a um organismo que tira proveito dela a este ponto não deveria deixar os cidadãos tranquilos… Por outro lado, enquanto o Fundo impõe o congelamento, ou redução, dos salários um pouco por todo o lado, o seu director-geral, o socialista francês Dominique Strauss-Kahn «sofreu» um aumento superior a 7% desde a sua chegada, estabilizando no meio milhão de dólares/ano.
O primeiro país atingido foi a Hungria, antes da Ucrânia, Islândia e Letónia. Depois, em 2009, foram a Bielorrússia, Roménia, Sérvia, Bósnia e, mais recentemente, a Moldávia e a Grécia. A lista de países que solicitam empréstimos à instituição continua a aumentar e todos eles são obrigados a aplicar os planos de austeridade ditados pelos mercados financeiros, pelo FMI e pela União Europeia.
O impacto social desastroso sobre as populações recorda-nos os planos de ajustamento estrutural de sinistra memória, implantados a sul depois da crise da dívida de 1982. Estes planos de austeridade têm como objectivo uma forte redução dos gastos públicos, sem atingir o grande capital, a fim de arranjar os fundos necessários para reembolsar prioritariamente os credores.
A Hungria abre a dança dos ajustamentos
Em Outubro de 2008, foi aprovado um plano para a Hungria de 20 mil milhões de euros: 12.300 milhões emprestados pelo FMI, 6.500 milhões emprestados pela União Europeia e 1.000 milhões de euros emprestados pelo Banco Mundial. Além do crescimento automático do stock da dívida e da perda líquida, devido ao pagamento de juros, implantou-se uma série de condições severas para a população: aumento de 5 pontos no IVA, actualmente nos 25%; aumento da idade legal de reforma para os 65 anos; congelamento de salários para os funcionários públicos durante dois anos; supressão do subsídio de Natal para os reformados.
A Hungria, governada pelos sociais-democratas, tinha conseguido salvaguardar um sistema social bastante protector. O descontentamento da população em consequência da aplicação, sob a ameaça do FMI, dessas medidas de austeridade, beneficiou a direita conservadora que acusou os sociais-democratas no poder de terem transformado o país numa «colónia do FMI» (conforme escreveu o jornal conservador Magyar Nemzet). No entanto, a vitória do novo primeiro-ministro conservador Viktor Orban foi aclamada pela agência de notação financeira Fitch Ratings, que considera que o partido de Orban, o Fidesz, obteve a maioria necessária para modificar a Constituição e, por isso, «representa uma oportunidade para introduzir reformas estruturais».
Os sociais-democratas sofreram uma derrota histórica nas eleições legislativas de Março de 2010 e abriram as portas à extrema-direita, que entrou no parlamento pela primeira vez, com 16,6% dos votos.
Ucrânia sancionada pelo FMI
O FMI aprovou, em Novembro de 2008, um programa de resgate de dois anos para a Ucrânia que atingiu os 16.400 milhões de dólares. Até Maio de 2010, o país só tinha recebido 10.600 milhões de dólares da instituição. Porquê? Porque desde o aumento de 20% no salário mínimo, aprovado pelo governo anterior de Viktor Yúshenko em finais de Outubro de 2009, o FMI suspendeu a entrega de fundos. A visita de uma delegação ucraniana a Washington, em Dezembro de 2009, não resultou em qualquer alteração e o pagamento de uma nova fracção do crédito permanece bloqueado.
O último pagamento remonta a Julho de 2009, devido à falta de acordo de Kiev acerca das condições. O FMI fixou o défice orçamental previsto para 2010 em 6% do PIB, enquanto o governo propõe um défice de 10% para não ter de apertar tanto o cinto. Fortemente penalizada pela crise, a Ucrânia sofreu uma queda de 15,1% do PIB em 2009, e conseguir um défice de 6% em 2010, como exige o FMI, é uma missão impossível.
Enquanto espera, a Ucrânia teve de aprovar o aumento da idade da reforma e o aumento de 20% na tarifa do gás aos particulares, a partir de 1 de Setembro de 2009. Prevê-se uma privatização e recapitalização dos bancos. A privatização da fábrica química de fertilizantes de Odessa volta a estar sobre a mesa, apesar da sua importância estratégica para a região e para o Estado, e apesar de as críticas que podem ser feitas relativamente às suas práticas ambientais. O novo governo, formalizado em Março de 2010 com a eleição presidencial de Viktor Yanukóvich, propõe, entre as suas prioridades, continuar a solicitar ajudas ao FMI. Dessa forma, espera obter um plano de apoio de
19.000 milhões de dólares do FMI, depois de fazer o parlamento aprovar um orçamento para 2010 que prevê reduzir o défice até 5,3% do PIB, superior às próprias exigências do Fundo. A visita do FMI, no fim de Março de 2010, foi a oportunidade para se aproxima r do novo governo com vista ao relançamento do crédito, acompanhado por futuras medidas de austeridade.
Grécia: berço da democracia
Enquanto a Grécia, sufocada por uma dívida recorde, batia à porta da União Europeia e do FMI (em princípio para um empréstimo de urgência de
45 mil milhões de euros, dos quais 15 mil milhões correspondiam ao FMI) a agência de notação financeira Standard & Poor’s diminuía (em três níveis) a nota da sua dívida, a 27 de Abril de 2010. Os mercados caem e os investidores especulam em baixa, acentuando a tendência.
O primeiro-ministro Papandreu declarava a 11 de Dezembro de 2009 que «os assalariados não pagarão por esta situação. Não procederemos à congelação ou à redução dos salários. Não chegámos ao poder para desmantelar o Estado social». No entanto, em 18 de Março de 2010 começou a ser minuciosamente elaborado um plano comum UE - BCE – FMI com o acordo do PASOK, o partido de Papandreu no poder, cuja contrapartida seria uma cura de austeridade sem precedentes, de modo a economizar, à custa do povo grego, 4.800 milhões de euros em Março de 2010 e, depois, mais 30 mil milhões em Maio, de acordo com um novo plano, com o objectivo de pagar aos credores.
No menu, o congelamento de contratações e a redução dos salários dos funcionários (corte substancial nos pagamentos extraordinários, diminuição dos prémios, apesar de uma anterior redução dos salários decidida em Janeiro de 2010); congelamento das pensões; aumento do IVA de 19% para 23% – apesar de se tratar de um imposto injusto que afecta maioritariamente os mais desfavorecidos –; aumento dos impostos sobre o álcool e o tabaco; redução drástica das despesas sociais, como a Segurança Social, etc.. Os direitos sociais são sacrificados no altar dos interesses da «elite tradicional local» e das despesas militares, o orçamento mais importante da UE, relativamente ao seu PIB. A população reagiu em força e organizou greves gerais (nos dias 10 de Fevereiro, 11 de Março, 5 de Maio e 20 de Maio de 2010) que paralisaram o país muitas vezes.
Os romenos também vêm para a rua
Juntamente com a Bulgária, a Roménia é um dos países mais pobres da União. Em Março de 2009, a Roménia obteve um empréstimo de cerca de
20 mil milhões de euros: 12.900 milhões correspondentes ao FMI, 5.000 milhões à UE, entre 1.000 e 1.500 milhões ao Banco Mundial e o restante a várias instituições, entre as quais figura o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD). Em troca, Bucareste comprometeu-se a reduzir o seu défice público de 7,9% do PIB em 2009 para 5,9%, mas ao considerar-se este objectivo não realista, fixa-se finalmente em 6,8% em 2010. No menu, mais do mesmo: congelamento de pensões e de salários com a manutenção do salário mínimo em 600 lei brutos (145 euros), supressão de 100 mil funcionários públicos em 2010, ou seja, 7,5% dos efectivos da função pública. Ali também a população se mobilizou contra as medidas de austeridade. A 19 de Maio, mais de 60 mil manifestantes concentr aram-se diante da sede do governo no momento em que este reforçava o seu programa de ajustamento, ao anunciar uma redução de 25% no salário dos funcionários públicos e de 15% nos subsídios de desemprego e nas pensões, cujo mínimo é já de 85 euros.
Além disso, o governo prevê a redução por decreto dos subsídios às famílias, bem como das ajudas dadas aos deficientes, a partir de 1 de Junho de 2010. É novamente à custa dos mais pobres que se quer pagar a crise, evitando-se cuidadosamente onerar o capital: o imposto de sociedades caiu 9 pontos, passando de 25% em 2000 para 16% em 2009.
Os islandeses recusam-se a pagar
Antes da famosa nuvem de cinzas vulcânicas que paralisou o espaço aéreo europeu, em 2010, durante vários dias, a Islândia já tinha sido notícia de grande actualidade devido a uma grave crise em 2008. O desemprego tinha passado de 2%, em Outubro de 2008, para 8,2%, em Dezembro de 2009. O Estado salvou da falência os três principais bancos do país, endividando-se enormemente e não podendo, mais tarde, garantir o reembolso aos detentores britânicos e holandeses dos seus títulos. O povo islandês viu-se obrigado a pagar essa dívida mediante a lei Icesave, apoiada pelo FMI, e adoptada com enorme irresponsabilidade e deslealdade no último dia do ano de 2009, uma dívida que tinha servido para trazer novamente à tona os banqueiros culpados.
Depois de uma grande mobilização popular, a lei foi rejeitada por mais de 73% da população no referendo de Março de 2010. Um relatório da SIC (Special Investigative Commission) apresentado em Abril perante o parlamento, questionou a responsabilidade de alguns dirigentes dos grandes bancos e de membros do governo cessante, em particular a do anterior primeiro-ministro, na crise bancária de 2008. David Oddsson, que dirigia o Banco Central em 2008, fugiu justamente antes da publicação desse relatório e escapou assim à Justiça do seu país.
Quatro antigos dirigentes do Banco Kaupthing, entre eles o anterior Presidente-Director-Geral Hreider Mar Sigurdsson, foram detidos à sua chegada a Luxemburgo, onde residiam. Sigurdur Einarsson, presidente do conselho de administração, refugiado em Londres, tem também uma ordem de detenção, emitida pela Interpol.
Em conluio com o FMI, a União Europeia dita as suas vontades aos governos e impõe medidas bastante impopulares. Em Novembro de 2009, o parlamento europeu emprestou à Sérvia 200 milhões de euros; à Bósnia-Herzegovina, 100 milhões de euros; à Arménia, 65 milhões de euros de empréstimo e 35 milhões de euros de subvenção; e à Geórgia, uma subvenção de 46 milhões de euros.
Esmagados pela especulação sobre a dívida, antes mesmo da intervenção do FMI, os estados tomam a iniciativa e prevêem reformas anti-sociais em Espanha, Portugal, Irlanda, Itália… Por toda a parte estes tratamentos de austeridade espremem os salários e preservam o grande capital, responsável por este beco sem saída capitalista. Por toda a parte os povos se mobilizam e a única esperança reside precisamente nessa mobilização. É urgente, para todos os que querem resistir eficazmente à lógica capitalista, trabalhar pela unificação destas lutas.
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