Por Jeorge Cardozo*
O papel da revolução é romper com as
barreiras entre a superstição do Estado capitalista burguês, o comércio
produzido por ele e trazer o homem de volta a si mesmo. A consciência, hoje
comum, vislumbrada pela ideologia capitalista burguesa, da possibilidade da
autodestruição humana. Tudo parece apontar, em sinistra evidencia, para o desaparecimento
do homem.
A transformação da existência humana em um
processo de produção e consumo resulta em uma aceleração crescente da troca de
bens, delineada pelo modo de produção vigente, tendo o uso da natureza de forma
predatória e irresponsável, como se a geração atual fosse à última a se
utilizar dela. Todas as coisas habitação, vestuário, mobiliário, economias
assumem caráter efêmero. Em todos os setores, o mesmo se afirma: a permanência
deixa de existir, em nada mais é possível confiar. E o povo? Existem
verdadeiramente, enquanto cidadão em busca de transformações que vêm a nosso
encontro ou se colocam enquanto sujeitos ativos? Antes que busquemos respostas
a tais considerações, é preciso saber qual o papel da revolução e do Estado e,
de como ele se apresenta para nós. Com efeito, não temos consciência do que
seja o Estado e qual o papel que o mesmo desempenha para inibir as ações
revolucionárias no seio da sociedade de classe, a partir do momento em que nos
encontramos tendendo para a alienação ideológica. “A classe dirigente domina
também como pensadora, como produtora de idéias, e regula a produção de idéias
de sua época: assim suas idéias são idéias dominantes da época” (Marx e Engels,
1970: 81).
Não há Estado sem as classes conflitantes,
nem revolução sem o entendimento desse conflito. Em outras palavras, não há
revolução sem sujeitos ativos, nem transformação antes de crises generalizadas.
A revolução real é manifestação da realidade e não a realidade por si só,
distante da crise generalizada como tal. Somos lançados a esse processo
dialético, onde nos orientamos com o auxilio do conhecimento cientifico
universalmente válido, que, entretanto, nada nos diz acerca do que esteja para
além de seus limites impostos pela ideologia dominante. “A classe dirigente tem
de exercer seu poder em seu próprio interesse de classe, enquanto afirma que
suas ações são para o bem de todos” (Marx e Engels, 1970:106). Só o
conhecimento de causa, efeito e conseqüência dessa dialética, nos pode libertar
da escuridão alienante da superestrutura ideológica vigente.
Portanto, a mudança de mentalidade só existe
na medida em que aparece a dicotomia crise-mudança e o sujeito torna-se
consciente de si mesmo, por assim dizer, como sujeito revolucionário, porque
reconhece essa dignidade em si mesmo e nos outros homens. Como bem diria Kant
“nenhum homem pode ser, para outro, apenas meio; cada homem é um fim de si
mesmo”. A farsa da democracia vigente, como bem diz Jaspers, só serve para o
homem contemporâneo “colocar o voto na urna como sendo o único ato político
praticado pelo povo e praticado sem maior reflexão. No fundo, isso equivale a
decidir por aclamação, que a mesma oligarquia de partidos e de pessoas continue
no poder. Nenhum deles trabalha em favor da liberdade política interna ou a
favor da liberdade de pensamento. Nenhum deles procura ajudar o povo a
educar-se politicamente. Carentes de vocações, esses políticos encaram suas
funções como um simples emprego, vantajoso sob todos os aspectos, com bom
salário, direito a aposentadoria e sem qualquer risco” ( Jaspers, 1965: 72).
Falar que isso é democracia, não passa de legitimar, no seio da sociedade,
conceito de igualdade, mediante falácias, continua Jaspers, “a democracia
degenera em oligarquias de partidos. O que se tem por cultura não passa de
bolhas de sabão em salões literários. O espírito perde densidade” (Jaspers, 1965:
72). Destarte, numa discussão hostil entre indivíduos inflexíveis, cada qual
busca impor sua opinião ao outro; num debate aberto entre indivíduos
esclarecidos, ambos querem assegurar-se da posse da verdade, como se essa fosse
imutável.
Portanto, quando compreendemos nossos
próprios juízos, tornamos mais livres com respeito a eles. Sem embargo, nenhuma
compreensão permite que nos apropriem das potencias que produzem a significação
inteligível e que, não obstante, estão presentes em nós. “Resistência de culturas
contra-hegemônica vem seguindo uma tradição, desde os pensamentos
anti-colonialista” (Boaventura Santos, 1995: 55).
Seja a revolução o que for, está presente no
ideário humano e a ele necessariamente se refere. Certo é que ela rompe o
estado de inércia do homem para lançarem-se as mudanças em curso. Mas retorna a
realidade para aí encontrar seu fundamento histórico dialético sempre original.
O problema crucial é o seguinte: o homem atual capitaneado pela ideologia vigente
aspira às mudanças repetina, que o sistema atual não quer. A revolução é,
portanto, perturbadora da ordem vigente. Entretanto, para conciliar esse estado
perturbador é que aparece o Estado como o mostro todo poderoso, capaz de
apaziguar as classes em conflito, como bem dizia os clássicos. No entanto,
nesse texto ora produzido aqui, vamos falar do Estado, na visão clássica de
Marx e Engels e na contemporânea de David Harvey, que preconizam que o Estado
não é algo de novo na esfera do estado capitalista, ele, apenas, ganhou novas
configurações para adaptá-lo, ao atual momento do capital, diz Harvey, citando
Marx e Engels, “no entanto, não seria correto afirmar que o Estado apenas
recentemente se tornou agente central para o funcionamento da sociedade
capitalista. Ele sempre esteve presente; apenas suas formas e modos de
funcionamento mudam conforme o capitalismo amadurecia” (Harvey, 2006: 79). Já
para Marx e Engels o Estado “é uma forma independente, que surge da contradição
entre o interesse do individuo e o da comunidade. Essa contradição sempre se
baseia na estrutura social e, em particular, nas classes, já determinadas pela
divisão social do trabalho e pela qual uma classe domina todas as outras” (Marx
e Engels, 1970: 53-4). Para Engels “o Estado não é, de modo algum, um poder, de
fora, imposto sobre a sociedade; assim como não é a realidade da razão, como
sustenta Hegel. Em vez disso, o Estado é o produto da sociedade num estagio
especifico do seu desenvolvimento; é o reconhecimento de que essa sociedade se
envolveu numa auto-contradição insolúvel, e está rachada em antagonismos
irreconciliáveis, incapazes de ser exorcizado – no entanto, para que esses
antagonismos não destruam as classes com interesses econômicos conflitantes e a
sociedade, um poder, aparentemente situado acima da sociedade, tornou-se
necessário para moderar o conflito e mantê-lo nos limites da ‘ordem’; e esse
poder, nascido da sociedade, mas se colocando acima dela e, progressivamente,
alienando-se dela, é o Estado” (Engels, 1994: 155). Destarte, Harvey, citando
Engels, brilhantemente, nos dar uma concepção atualizada do papel do Estado na
sociedade capitalista atual “o Estado que se origina da necessidade de manter
os antagonismos de classe sob controle, mas que também se origina do meio da
luta entre às classes, é, normalmente, o Estado da classe economicamente
dirigente, e, assim, obtêm novos meios de controlar e explorar as classes
oprimidas. O Estado antigo era antes de qualquer coisa, o Estado dos senhores
de escravos para controlar os escravos, assim como o Estado feudal era o órgão
da nobreza para oprimir os servos camponeses, e o Estado representativo moderno
é o instrumento para explorar a mão de obra assalariada pelo capital. No
entanto, ocorrem períodos excepcionais – quando classes antagônicas quase se
igualam em forças, em que o poder do Estado, como aparente mediador, adquire,
naquele momento, certa independência em relação a ambas as classes” (Harvey,
2006:800).
Nesse momento, o Estado se transverte de uma
“máscara”, que, momentaneamente, parece está fora do interesse de ambas às
classes envolvidas, até que, os ânimos voltem ao normal, ou seja, uma classe se
sobreponha a outra e passe a se utilizar do Estado como máquina de poder, como
bem diz Harvey, “o uso do Estado como instrumento de dominação de classe cria
uma contradição adicional: a classe dirigente tem de exercer seu poder em seu
próprio interesse de classe, enquanto afirma que suas ações são para o bem de
todos” (Harvey, 2006:80-1).
Todo esse processo de dominação feita pela
classe dirigente sobre o Estado é delineado por uma superestrutura ideológica
de legitimação, como bem afirma Harvey, citando Marx e Engels, “toda a nova
classe que se opõe no lugar da classe dirigente anterior fica obrigada, para
levar a cabo seu objetivo, a representar seus interesses como o interesse comum
de todos os membros da sociedade [...] precisa dar a sua idéia a forma de
universalidade, e representá-las como as únicas idéias racionais e
universalmente válidas. A classe que promove a revolução aparece desde o inicio
{...} não como uma classe, mas como a representação do conjunto da sociedade”
uma espécie de consenso, (grifo nosso) (Harvey, 2006:82).
Com a colaboração dos clássicos da
revolução, Marx e Engels e do contemporâneo David Harvey, compreendemos um
pouco o porquê da importância da revolução para derrubar a contradição
delineada pelo Estado capitalista e as suas diversas formas de legitimar à sua
atuação ideológica. Portanto, assim, podemos entender o porquê de Marx e
Engels, não compactuarem com a idéia de Estado.
O Estado, enquanto máquina de poder vai está
sempre a serviço da classe dirigente, essa concepção, precisa ser mais bem entendida
enquanto prática, digo isso, pela nuance criada pelo Estado pseudo-comunista
soviético e do leste europeu, que, envolvido em uma contradição ditatorial, não
conseguiu extenuar, de fato, a concepção de Estado vigente, e, portanto, não
conseguiu criar uma democracia socialista. Portanto, na minha humilde
concepção, fica claro então, que nenhum modelo econômico seja socialista,
capitalista, feudal, sobrevive isoladamente. No caso especifico do pseudo-socialismo
soviético e do leste europeu, foram espremidos pela ação dinâmica do
capitalismo e pelo centralismo burocrático de Stalin. Hoje, percebemos que a
visão de Trotsky, de uma revolução permanente era o caminho mais viável.
Entendemos também, que o atual estágio vivido pelo modo de produção capitalista,
onde, resguardado por uma superestrutura midiática poderosa, capaz de atingir
bilhões de pessoas no mundo todo em fração de milésimo de segundos, só uma ação
revolucionaria coordenada, mediante uma grande crise que envolva as economias
vigentes, levando-as aos caos, poderá criar espaço significativo para uma ação
revolucionaria coordenada.
Destarte,
isso não me parece distante de acontecer, pois, as economias ditas
capitalistas, nos seus maiores centros, passam por turbulências graves, apesar
dos “remédios” imediatistas feitos pelos dirigentes políticos dessas nações.
Percebemos ainda, que essas crises têm acontecido em espaço de tempo cada vez
menor. Portanto, esse é o caminho a ser seguidos pelos partidos
revolucionários, ou seja, se aproveitar do momento de crise generalizada para
impor uma nova dinâmica ao mundo contemporâneo.
*Jeorge Luiz Cardozo é professor
mestre.