POR: PROF. CARDOZO
As teses apresentadas ao III Congresso Nacional do PSOL e a última reunião do Diretório Nacional (03 e 04 de setembro) demonstram que os dilemas colocados para o partido por ocasião do II Congresso permanecem vigentes. Continuam existindo entre nós concepções muito distintas de partido, bem como diferenças importantes a respeito de quais devem ser o propósito estratégico e a política do PSOL para a conjuntura.
Todas as teses defendem a ampliação do partido, mas existem visões diferentes de por qual caminho deve passar o crescimento do PSOL.
Há os que entendem que a ampliação do partido está conectada a algumas dinâmicas importantes:
- a adesão de uma nova geração às lutas sindicais que tem surgido Brasil afora, abrindo possibilidades mais favoráveis de reorganização sindical;
- o diálogo com lutadores/as sociais que começam a perceber que os Governos do PT, depois de quase uma década, não foram capazes de realizar mudanças estruturais e cumprem um papel conservador, requentando um desenvolvimentismo superado pela história. Esses/as militantes constroem ao lado do PSOL as lutas contra as grandes obras – destruidoras do meio ambiente e das comunidades tradicionais – e as mobilizações contra o desalojamento de famílias pobres pela especulação imobiliária nas cidades que receberão a Copa e as Olimpíadas;
- a sintonia com uma ética ecológica que responda à crise ambiental – que ameaça a permanência da vida humana na Terra;
- a disputa contra-hegemônica que pode ocupar o espaço crítico aberto pela crise econômica mundial – que demonstrou a farsa da ideologia neoliberal;
- os levantes populares contra as ditaduras no mundo árabe e a austeridade na Europa, que tem servido de exemplo para os povos em todo o mundo;
- a mobilização no Brasil de uma juventude indignada que começa a se articular pelas redes para protestar pela autonomia feminina e pelo controle sobre seus corpos (Marcha das Vadias); pela legalização das drogas; contra o elitismo e a mercantilização da vida (Churrasco de Gente Diferenciada); pela vivência das diferentes possibilidades de sexualidade; contra a política como profissão, enriquecimento e ascensão social;
- o crescimento da referência da oposição de esquerda da UNE no movimento estudantil universitário e a possibilidade do partido construir uma política de organização de sua juventude;
- a consolidação dos setoriais partidários, que abre possibilidade de uma atuação conjunta da militância do PSOL nas lutas sociais e na disputa da sociedade.
Trata-se de aprofundar o perfil delineado pela candidatura de Plínio de Arruda Sampaio à presidência da República, construindo um PSOL militante e programático.
Um partido que ocupe os espaços abertos na conjuntura pelas contradições intra-burguesas, mas que o faça a partir de um programa autônomo e independente, e não recorrendo a uma política que trata somente do que pode ter “cobertura positiva da mídia”.
Em muitos momentos de nossa história, não soubemos nos diferenciar de um discurso moralista, caro à oposição de direita, e acabamos nos afastando de setores sociais que ainda guardam esperanças no governo petista, e são potenciais aliados para a luta contra a opressão e a exploração, mas que repudiam a alternativa oferecida por PSDB e Democratas.
O PSOL é um partido necessário para fazer frente à geleia ideológica geral promovida pelo neoliberalismo. Temos uma pequena – mas aguerrida – bancada parlamentar que dá seguidas provas de capacidade de análise e atuação política. No diálogo com a população e no confronto cotidiano com parlamentares conservadores passamos a impressão de que somos muito maiores.
Devemos incentivar que lideranças populares se candidatem por nosso Partido, dando dimensão geral às suas lutas, uma relação muito diferente do que o simples oferecimento de vagas para concorrer às eleições, de maneira conservadora e despolitizada.
Além da disputa que travamos no parlamento, precisamos avançar para uma construção partidária que organize a militância para a intervenção na luta social e política. Nossa vida e democracia internas são ainda muito frágeis!
Mas também temos teses apresentadas ao III Congresso do PSOL que apontam para um retrocesso em relação ao caminho escolhido pelo partido no II Congresso Nacional. Retomam a defesa do eleitoralismo e apostam na ampliação do partido pela incorporação de figuras públicas conservadoras como Rose Bassuma – o que levaria ao afastamento do partido de lutadore/as sociais feministas, LGBTs e libertário/as. Essa visão pretende ampliar o partido junto a um eleitorado conservador em detrimento de outro progressista. Coloca as lutas libertárias em segundo plano ou na completa invisibilidade, possivelmente por considerar que essas pautas tiram votos... Mas se o PSOL não confrontar o conservadorismo na sociedade e difundir as pautas dos movimentos anti-sistêmicos, quem o fará?
Temos no PSOL posições que apostam em alianças eleitorais à direita para agregar apoio eleitoral às nossas candidaturas. Alianças que, na verdade, confundem nossa militância e afastam do partido a intelectualidade crítica e a juventude insurgente. Alianças que jogam o PSOL na vala comum dos “partidos de negócios”. Flertam com a trajetória de Marina Silva, com a qual o PSOL fez uma delimitação clara de projetos em 2010. E participam das primeiras articulações para formar um novo partido ao redor da candidatura de Marina à presidência.
Estas posições que só concebem a construção partidária ligada à disputa eleitoral levarão o PSOL ao suicídio político: não percebem que a crise da democracia representativa é uma dimensão radical da Crise de Civilização que estamos vivendo. Para a juventude que começa a se indignar, nosso partido é, contraditoriamente, visto como "mais um entre tantos". Mais um partido de negócios, em que os "políticos" aderem para disputar as eleições e atender seus interesses privados (normalmente escusos). A disputa eleitoral é fundamental – mas desde que seja feita para dar voz para as lutas sociais e emancipatórias.
Só seremos capazes de nos mostrar como alternativa política para essa juventude que se indigna, se resgatarmos o sentido da Grande Política: seu vínculo inseparável com o ativismo social, a disputa contra-hegemônica, a democracia direta – em que a política praticada por nós, no interior do partido e dos movimentos sociais, anuncie a democracia socialista que queremos para amanhã.
Este projeto de democratização radical da sociedade brasileira só terá credibilidade sustentado por um partido radicalmente democrático em seu funcionamento e vida interna. Precisamos rechaçar a práticas que fraudam o processo democrático no PSOL!
A reunião do DNPSOL, realizada nos dias 03 e 04 de setembro, deixou claras algumas diferenças quanto à concepção de partido e quanto ao reconhecimento da legitimidade das instâncias nacionais para definir nossos rumos políticos. As declarações proferidas pelos setores que defendiam a filiação de Rose Bassuma são um exemplo disso. Enquanto Edilson Silva ameçou recorrer à justiça burguesa para tentar impor a filiação de Rose Bassuma, Janira Rocha, por sua vez, responsabilizou o setorial de mulheres pela rejeição de dita filiação, e declarou que havia se convencido por isso da necessidade de disputar o setorial de mulheres, e que o faria em seguida. Rechaçamos ambas as posições, pois elas desconsideram e desrespeitam o funcionamento democrático do DNPSOL e manifestam uma visão utilitarista dos setoriais do partido, na qual a sua dinâmica de funcionamento ficaria atrelada a interesses outros que não o fortalecimento dos setoriais e da identidade entre aquelas pessoas que o compõem.
Construir um partido democrático e amplo significa abrir o PSOL para os lutadores/as do povo, que aderem a ele a partir de alguma compreensão das contradições do capitalismo e da necessidade de um programa ecossocialista e libertário para o Brasil. Isso é muito diferente de promover filiações em massa, em que os filiados são convocados como clientela para participar da disputa interna, a partir da utilização dos aparatos de sindicatos e mandatos – com o poder econômico deturpando e inviabilizando a saudável disputa de concepções e posições.
O direito de tendências – um avanço na história da esquerda socialista – é deturpado quando as correntes perdem sua dimensão programática e se tornam ajuntamentos de interesses para disputar espaços de poder na burocracia e, por consequência, posições de destaque nas eleições.
A única forma de fazer com que o PSOL seja um partido de massas é garantindo na filiação e nos momentos de definição, a cotização, a participação nos debates, a militância em frentes de atuação.
Para ganhar a adesão de uma nova geração política, para dialogar com tod@s aqueles indignados não apenas com a corrupção, mas também com a injustiça social e ausência de qualquer horizonte de futuro no capitalismo, o PSOL precisa alargar sua democracia interna. Novos militantes só marcharão conosco se puderem participar ativamente das definições políticas do partido, se perceberem na prática que o PSOL é totalmente diferente de tudo que está ai.
O III Congresso do PSOL tem agora o desafio de consolidar os avanços do II Congresso e seguir avançando na construção de um PSOL ecossocialista e militante!
João Alfredo Telles Melo – membro do diretório Nacional do PSOL e vereador FortalezaJoão Machado – membro do Diretório Nacional do PSOL
Luciene Lacerda – membro do Diretório Nacional do PSOL
Eduardo d´Albergaria