quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

- Os dois anos da morte de Manoel Mattos

Por: Professor Cardozo


E os próximos desafios no processo de federalização

Hoje é dia de lembrar Manoel Mattos, morto no dia 24 de janeiro de 2009, no município de Caaporã, no estado da Paraíba, próximo à divisa com Pernambuco. O advogado e defensor de direitos humanos nasceu e cresceu próximo dali, em Itambé (PE), em uma região onde grupos de extermínio agem livremente, articulados por políticos, policiais e comerciantes locais. Dedicou grande parte da sua vida à luta contra o poder destes grupos, sempre alertando autoridades e companheiros sobre os riscos que corria e sobre a necessidade de ter a proteção garantida pelo Estado.

Para quem viveu e militou ao lado de Manoel Mattos, hoje é um dia triste, mas é também um dia de celebração e movimento. Manoel Mattos foi assassinado, mas sua voz continua viva, ecoada naqueles que herdaram a batalha contra os grupos de extermínio que atuam entre Pernambuco e Paraíba.

A coragem de sua mãe é a maior prova disso. Dona Nair Ávila abraçou os ideais do filho e se mostrou incansável. Foi à imprensa, denunciou o poder dos grupos de extermínio e o descaso de autoridades, esteve em Brasília diversas vezes, foi recebida pelo ex-presidente e por ex-ministros. Dona Nair não se intimidou nem mesmo quando se tornou alvo das ameaças de morte que um dia foram endereçadas a seu filho.

Em outubro do ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a investigação e as ações judiciais do assassinato de Manoel Mattos deveriam ser realizadas por órgãos federais – Polícia Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal. A federalização de crimes que envolvem graves violações de direitos humanos é vista por alguns analistas como um instrumento capaz de garantir a desarticulação de redes criminosas em algumas regiões do país – e a expectativa dos familiares de Manoel Mattos e das organizações envolvidas nesse debate é justamente essa.

Resta, no entanto, muitas dúvidas e desafios sobre a instauração do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), o mecanismo constitucional que garante a federalização e que até outubro jamais havia sido utilizado. Como será colocado em prática? De que forma se dará a transição para a esfera federal? A Polícia Federal já iniciou as investigações?

Até agora, se sabe muito pouco. “Eu já nem sei mais onde está o processo. Ninguém tem informação, eu fico perdida”, diz dona Nair, demonstrando preocupação. “Eu tenho mais confiança na investigação da Polícia Federal, mas fico apreensiva porque não sei como as coisas estão sendo feitas”.

Para Eduardo Fernandes, assessor jurídico da Dignitatis – organização que, em parceria com a Justiça Global, encaminhou o pedido de federalização à PGR –, o momento é de intensificar as investigações em torno do contexto em que o crime foi cometido, como forma de se chegar aos mandantes do assassinato. “Os órgãos designados para essa missão devem dialogar com instituições, mandatos parlamentares e organizações da sociedade civil que acompanham o caso há anos”, afirma. “Somente desta forma as engrenagens dos grupos de extermínio podem ser finalmente desmontadas”, completa, acrescentando que “sem cooperação, a região da divisa entre Pernambuco e Paraíba continuará sendo chamada de ‘Fronteira do Medo’”.

A proteção de dona Nair e de outras pessoas ameaçadas por grupos de extermínio – como a promotora Rosemary Souto Maior de Almeida e os deputados Fernando Ferro (PE) e Luiz Couto (PB) – também é uma preocupação das organizações que acompanham o caso. “A morte de Manoel Mattos só ocorreu porque o Brasil descumpriu a decisão da OEA que determinava sua proteção. É fundamental que os erros do passado não se repitam”, disse Andressa Caldas, diretora executiva da Justiça Global. “Já se passaram seis meses desde que a OEA determinou a proteção de Dona Nair e de outros familiares de Manoel Mattos, mas ainda estamos lutando para que o Estado brasileiro faça a sua parte”, explicou.

Ontem, no Recife, uma missa foi realizada em memória de Manoel Mattos, com a presença de sua mãe e de outros familiares. Hoje, outra missa será realizada em Itambé. Sem conseguir escolta policial que lhe garantisse a proteção, Dona Nair Ávila não poderá comparecer.

- O silêncio das vítimas, a UNE estatizada e o pior ministro da classe.

Por: Coluna do Augusto Nunes - revista Veja


O ministro Fernando Haddad só sobreviveu ao primeiro naufrágio do Enem porque a União Nacional dos Estudantes já fora domesticada pelo governo. E só se mantém no emprego porque a UNE velha de guerra foi estatizada em 17 de dezembro de 2010, quando o Ministério da Justiça depositou R$ 30 milhões na conta bancária da entidade. A 17 dias do fim da feira, o presidente que não lê nem sabe escrever consumou a compra da UNE e deu por concluído seu mais ambicioso projeto na área da educação: reduzir a sigla a uma espécie de secretaria especial de proteção à meia-entrada.

O processo de estatização da entidade começou pelo espetacular aumento da mesada federal. Ao longo dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, as verbas destinadas à UNE somaram R$ 1,3 milhão. É uma quantia desprezível se comparada ao que foi arrecadado nos anos de bonança: entre 2003 e 2009, o apoio incondicional a Lula rendeu quase R$ 13 milhões. Não é pouca coisa. Mas parece dinheiro de troco diante dos R$ 57,5 milhões que o governo resolveu doar à UNE em 21 de junho de 2010.

Nessa data, ao chancelar a lei 12.260, Lula “reconheceu a responsabilidade do Estado pela destruição, no ano de 1964, da sede da UNE, localizada na Praia do Flamengo, número 132, no Rio de Janeiro, e, em razão desse reconhecimento, decide indenizá-la”. A bolada que animou o reveillon dos pelegos sub-30 quitou a primeira parcela da indenização. Faltam R$ 14,6 milhões, que Dilma Rousseff prometeu liberar até o fim do ano com o envio ao Congresso de uma Medida Provisória.

A direção da UNE jura que investirá R$ 40 milhões na construção do prédio de 13 andares projetado por Oscar Niemeyer. Além da sede da entidade, o colosso abrigaria um teatro, um memorial e a sede da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). Só Deus e os jovens milionários sabem o que será feito do resto.

O que esperam os estudantes com mais de 10 neurônios no cérebro para sepultar de vez a velharia envilecida e criar uma entidade que saiba representá-los efetivamente? Se a UNE não tivesse perdido a vergonha, se os comerciantes de carteirinhas que controlam a sigla não estivessem lá para servir ao PCdoB, Fernando Haddad estaria desempregado há muito tempo. Tranquilizado pelo silêncio dos cúmplices e pela mudez das vítimas, continua liberado para completar a desmontagem do sistema de avaliação do ensino.

Convocado há dias para prestar contas a Dilma, Haddad chegou ao Planalto com cara de aviso prévio e saiu com pose de ministro vitalício. Decidiu adiar as férias ─ para resolver problemas criados por outros. E revelou que durante a conversa a presidente pediu ao pior ministro da classe que melhore o desempenho do MEC. É como pedir ao mais bisonho zagueiro do Jabaquara que jogue como Pelé.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

- A Economia Política Brasileira do Lulismo sem Lula

 POR: VENÂNCIO DE OLIVEIRA


1 - E agora, companheiro?


No dia 31 de outubro de 2010, o Brasil elegeu sua primeira presidenta, Dilma Rousseff, na votação mais apertada desde 1989, 56% contra 43,95% do candidato tucano José Serra. Esta eleição realizou-se em meio a um contexto de grandes ilusões em relação ao poder constituído. Uma forte esperança de abonança futura, isto é, um momento de refluxo para esquerda anticapitalista. Um consenso e uma blindagem que rechaçam qualquer alternativa que proponha a guerra de classes e o conflito social.

Assim, a esquerda atua contra a maré em tempos de bonança econômica em plena crise do capital mundial. Por outro lado, falamos para um futuro que se apresenta no "hoje" em dados ainda embrionários, com mais quedas bruscas do capitalismo que constrói ilusões ao mesmo tempo em que as destrói. Isto é, viveremos mais conjunturas de desestabilização do capitalismo, em um governo que parece ser mais frágil, um lulismo sem a face direta de Lula. Sem ter ilusões na crise "hoje", pois o governo e o capitalismo demonstraram que têm mecanismos para frear uma crise que pareceu fechar o tempo. Este artigo apresenta algumas aproximações conjunturais nacionais e internacionais, para que possamos traçar alguns elementos a fim de pensar o médio prazo. A pergunta da esquerda anticapitalista e socialista para o próximo período deve ser: qual é a nossa estratégia de Alternativa de Poder?

2 - Espelhismos retorcidos da crise mundial

No ano de 2008 o capitalismo tremeu. A bolha no mercado imobiliário dos Estados Unidos começou a estourar e teve como ápice a quebra da Lehmann Brothers. O FMI havia estimado em setembro de 2009 um prejuízo financeiro mundial no total de US$ 30,4 trilhões de dólares ((1) FMI, 2009). A lucratividade financeira entrou em caos crescente. As bolsas no mundo tiveram uma trajetória de queda constante durante o ano de 2008. O índice da Dow Jones abriu o ano em 13.044 pontos e a Nasdaq em 2.609 pontos ((2) 02/01/2008, IPEADATA, 2010), chegando a 7.552 pontos e 1.316 pontos respectivamente no dia mais drástico da contaminação do desequilíbrio financeiro mundial (20/11/2008).

A geografia mundial do capital demonstrou uma reorganização do poder econômico dentro da divisão internacional do trabalho com a ascensão de países como o Brasil, Rússia, China e Índia (BRIC). A imagem desta aproximação pode ser descrita em Obama chamando Lula de "That’s the man", ou "Este é o cara". O tempo e a localização da crise parecem consolidar esta evidência ou ilusão de que os BRIC salvarão capitalismo. Se por um lado a quebra dos bancos estadunidenses teve eco em todo o mundo do dinheiro, com retração do crescimento econômico no Brasil, Rússia, China e Índia, sendo que estes países tiveram em 2008 crescimentos de 5,1%; 5,6%; 9,6% e 7,3% (menor que em 2007), respectivamente, passaram para taxas de -0,2%; -7,9%; 8,7% e; 5,7% em 2009. Por outro lado, estes países se recuperaram rapidamente, recompondo o emprego e consumo interno com projeções positivas para 2010, bem acima do ano anterior (3). Enquanto os dados indicam baixa recuperação dos Estados Unidos e da Europa, na segunda há ameaça generalizada de quebras por déficits públicos, com a conseqüente velha receita: empréstimos generosos do FMI e pacotes fiscais de retirada de direitos.

No dia 4/11 Obama anunciou uma chuva de dinheiro por parte do FED, Banco Central dos Estados Unidos: o governo entrou com um pacote de U$ 600 bilhões de dólares no mercado comprando títulos, criando liquidez. Foi imediato o movimento de alavancagem do IBOVESPA, dentro do encurtamento do espaço-tempo das finanças, "quase" ultrapassando a fronteira histórica de 74.000 pontos, alimentando ilusão de que o Brasil chegaria a 90.000 pontos.

Esta medida de injetar liquidez no mercado mundial tem como objetivos: desvalorização da dívida dos Estados Unidos e tentativa de aumentar suas exportações como um gatilho inflacionário keynesiano de criação de demanda mundial. Este dinheiro entrou nos mercados financeiros, fez dinheiro e voltou. O IBOVESPA logo na semana seguinte teve uma queda para baixo de 69.000 pontos.

As economias dos BRIC começam a desconfiar de tanto amor. A bolha das economias emergentes começa a tomar forma. Na última reunião do G20, China e Brasil reclamaram desta chuva de capital fictício do governo dos Estados Unidos (4). Os chineses têm dupla preocupação: eles são os maiores detentores da dívida estadunidense e sofrerão mais com o problema de inflação mundial.

A crise de alimentos esquecida em 2009 volta no aumento dos preços dos alimentos, maior preocupação dos países com crescimento acelerado que necessitam alimentar sua força de trabalho. O Índice de alimentos da FAO passou de 197,1 pontos (10/10), para 205 (11/10), sendo que no cume da crise financeira, no dia negro das bolsas do mundo (11/08), esteve com 150,5 pontos; e no ápice da crise de alimentos (03/08) atingiu 211,1 pontos (FAO, 2010(5)).

Assim, o mundo parece mais frágil e conturbado, não existe espaço ideal do capitalismo ou modelo sem contradições. A crise internacional apresenta-se em seus diversos feixes contraditórios, espelhismo de imagens retorcidas em que cada espelho distorce e aumenta a confusão da visão da imagem original. Isto é, podemos visualizar apenas os fatos em seu desenrolar, sem, contudo, entender precisamente seu eixo principal, nem prever com confiança o final. Mas é evidente que novos cenários de desestabilização e sinais bruscos de quedas estão por vir.

Qual é o papel da Esquerda?

3 - A esquerda no passado, presente e futuro

Este espelhismo crísico cria ilusões políticas, além de novas versões mais desumanas de recomposição do poder político e social do capital. Nos Estados Unidos, Obama reviveu a "direita da direita" com o Tea Party, o Partido do Chá. No Brasil as ilusões tomam uma narrativa histórica.

O Lulismo consegue cavar seu espaço no imaginário popular. Ele foi aos poucos imprimindo uma nova dinâmica à economia política brasileira, articulou políticas focais, organizando e consolidando uma arquitetura política do Estado da Assistência Social em contraposição ao Estado dos Direitos. Enriqueceu os instrumentos de gestão da pobreza, além de conseguir ser um gatilho de valorização do mercado de trabalho, por conseguir manejar o Exército Industrial de Reserva, dando estabilidade para a oferta de força de trabalho.

No segundo mandato, completa-se o projeto petista de desenvolvimento do capitalismo brasileiro na era das finanças. O Programa de Aceleração Econômica (PAC) organizou diversas obras de infra-estrutura e o BNDES configurou linhas de crédito, buscando a formação de novos conglomerados brasileiros. Somadas a política de crédito pessoal e a política Sul-Sul da diplomacia brasileira (6), o Lulismo reatualiza a Narrativa Varguista na conjuntura crísica do capitalismo de finanças.

O Lulismo é uma combinação de forças, que se aproveitando do acúmulo político da lutas de classes do século XX, levaram o Lula e o PT à direção moral (7) do capitalismo brasileiro e de seu desenvolvimento. Esta correlação de forças se apropria da força social dos movimentos vivos e históricos da classe, além das necessidades de sobrevivência recriadas pela contra-revolução burguesa brasileira, de atualização da super-exploração do trabalho. Assim, recria-se a ideologia passada do capitalismo social.

O nosso hoje está influenciado pelo passado internacional de ilusões de mudar o mundo por meio do desenvolvimento do capitalismo. Ilusão esta que levou ao surgimento do nazi-fascismo. As crises do capitalismo mundial do final de século XIX e do começo do XX foram uma máquina de triturar qualquer suposto maquinista humanista. Elas desmoralizaram a direção hegemônica anterior, trazendo à tona os termos bárbaros de resolução política da crise social e econômica do capitalismo.

O fascismo não foi culpa de uma tática anterior ao seu surgimento, de não aliança dos Comunistas com os Social-democratas, mas sim da tática de 20 anos antes de uma resolução "pacífica" da crise política e econômica da Alemanha. Não é possível saber se o futuro será o mesmo de dantes, nem prevê-lo com seriedade. Mas não podemos alienar nosso potencial dentro de um campo de forças que busca soluções capitalistas para o problema da pobreza. O desenvolvimento do capitalismo é o desabrochar de contradições que podem levar ao caos e esmagar as ilusões que criou, e triturar sonhos reformistas. O fascismo ronda qualquer avanço civilizatório do capital e capitalismo.

4 - Cenários do próximo governo

Nas últimas eleições, apresentaram-se três candidaturas majoritárias. Dilma Rousseff, Marina Silva e José Serra defendiam a manutenção do modelo econômico. Do outro lado da fronteira das candidaturas do poder dominante, estavam P-SOL, PCB e PSTU, cada qual com seu candidato, mas com uma linha de fundo comum, como oposição de esquerda ao governo Lula, levantando a linha da ruptura com a ordem da valorização do capital. Eles alcançaram cerca de 1 % de votação. Parte reduzida de movimentos sociais contra-hegemônicos apoiou as candidaturas anticapitalistas. A maioria do MST e sindicatos esteve presa à tática do neodesenvolvimentismo e se voltou para o campo do Lulismo. No 2° turno, a posição do nulo foi acusada de fazer coro com o vento obscurantista.

Os cenários parecem adversos para a esquerda em geral. A narrativa da "Nação Brasileira Forte para o Mundo" empolga o movimento social. Mas o capitalismo não poupa ninguém, seu movimento demanda lucro e barbárie, e contradiz a si mesmo, abrindo brechas políticas para a oposição do "bloco no governo" atuar. No próximo período, o capitalismo apresentará possíveis cenários desestabilizadores, quais sejam:

Problema da rolagem das dívidas dos países europeus, que geram desesperos financeiros. Os empréstimos do FMI não resolvem o problema de fundo destes países, de gerar valor e excedente. Abre-se assim a via pelo aumento da super-exploração do trabalho em um mundo em que a mercadoria parecia civilizada;

O duplo déficit, comercial e público, dos Estados Unidos, e o fato de eles serem detentores da referência de valor mundial, o dólar. Isto pode levar a conflitos econômicos entre China e EUA, com desvalorizações do dólar mundial, aumento da inflação de custos e acirramento de tensões geográficas regionais;

A bolha dos BRIC, com especulação financeira sobre estes países, pode fazer com que se elevem as expectativas de lucratividade, que produz quedas bruscas e pequenos estouros de bolhas financeiras, desestabilizando os mercados emergentes;

Superprodução de capital da China que pode causar deflação de produtos manufaturados;

Crise de exportação brasileira, prejudicando o produto interno, numa dinâmica de alto endividamento privado e inflação doméstica;

Por outro lado, os últimos três fatores elencados de desestabilização, hoje, são elementos de estabilidade duradoura. No Brasil, este elemento se conjuga com a estabilidade política do Lulismo. Mas a vitória apertada de Dilma nas eleições impõe o desafio de adequar interesses imaginários e conseguir emplacar como a nova "rainha", fato possível de acontecer, dada a força histórica do petismo. O fôlego da China, locomotiva dos BRIC, tende a ser de médio prazo, e o tamanho das economias emergentes também possibilita pequenos arranjos de freio à crise de valorização mundial. Ainda, é possível que as vias para a recomposição do Poder Burguês sejam de ordem autoritária e obscurantista.

Por fim, cabe ressaltar que o desenvolvimentismo abre brechas de atuação da esquerda anticapitalista, mas seu processo não é reto e certo. Cada passo de capitalismo traz em seu bojo a desumanização da humanidade (8). Hoje, os projetos da Copa do Mundo e Olimpíadas e seus despejos forçados, a difícil realização do direito à moradia e terra, além da velha guerra aos pobres, direcionam lugares possíveis de atuação para fortalecer a luta anticapitalista. Mas são pontuais, e fragmentários, como o é a esquerda anticapitalista.

É necessário fortalecer e reformular a narrativa da brasilidade revolucionária, sem nacionalismo e espaços para composição com o poder dominante. A esquerda deverá urgentemente retomar processos integradores de composição política e social com setores amplos do proletariado. O médio prazo passa rápido, em momentos de crises políticas e econômicas cresce o espaço dos extremos, tanto à direita, quanto à esquerda. O Obscurantismo pode tomar facilmente o poder no futuro, se não houver uma Alternativa de Poder Anticapitalista consistente e empolgante preparada desde hoje.

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Venâncio de Oliveira é economista.

Tunísia: O significado da primeira revolução democrática árabe do século XXI

Por: Pedro Fuentes


O 2011 começou com uma boa notícia: a derrubada do ditador Bem Alí da Tunísia (Ver o quadro da cronologia deste processo e a reprodução dos artigos do jornal espanhol “El País” em (www.internacionalpsol.wordpress.com ). A corrupção, o totalitarismo do regime e a greve foram os motores da revolução laica e democrática num país árabe no século XXI. Não foi por nada que os meios de comunicação europeus já alertavam pelas repercussões que a mesma terá. Porque, de fato, estão colocadas as condições para que a mesma não signifique apenas a derrota do regime autocrático deste país como também abre um processo novo no norte da África.

A revolução na Tunísia não está terminando com a ditadura apenas neste país como também questiona todos estes regimes. Logo põem em questão todos os governos árabes que dominam a região ­- Mohamed VI em Marrocos, Muharab no Egito, Hussein na Jordânia, entre outros. Estes governos que até o momento foram pilares fundamentais para os operativos dos Estados Unidos e Europa para manter o domínio no norte da África e no Oriente Médio; sem dúvida a região mais instável e onde está mais comprometida a ordem mundial imperialista surgida no pós-guerra.

Esses regimes, assentados na repressão, não apenas têm sido os grandes produtores de “ouro negro” exportado para o “primeiro mundo”, como também tem cumprindo um papel inestimável – desde os acordos de Camp Davis 1978 – para frear a causa palestina e impedir que triunfe sua heróica resistência. Também sua colaboração foi chave para a invasão norte-americana no Iraque. Por isso, estes regimes têm contado com o apoio dos EUA e países europeus tendo em vista assegurar a estabilidade na região, os seus investimentos, o domínio econômico deles e combater os movimentos islâmicos.

Uma historia de lutas e mobilizações

Os países do norte da África e o Oriente Médio foram cenários de grandes processos de libertação nacional que com o passar dos anos foram se degenerando. Nos anos 1950 no Egito o nasserismo derrubou a autocracia do rei Faisal e nacionalizou o canal de Suez; em 1963 a Argélia derrotou a ocupação francesa e conquistou a independência do país. Nesse país não restou burguesia e se abriu as portas para a revolução encabeçada pela Frente de Libertação Nacional de Bem Bella seguindo os passos de Cuba na ruptura com o imperialismo. Logo grandes conflitos internos na FLN fizeram com que o processo de ida ao socialismo fosse interrompido e acabou por surgir uma burguesia nativa. Na Líbia a onda de nacionalismo levou nos anos de 1970 ao poder Kadafi. Em todos os países os processos encabeçados pelo pan nacionalismo terminaram por acomodar a política imperialista na região, ao mesmo tempo em que se transformaram em regimes autocráticos que utilizaram da repressão para brecar as oposições a eles. Neste contexto, a resistência encabeçada pela Organização pela Libertação da Palestina (OLP) acabou isolada e tendo de aceitar os acordos de Camp Davis.

O vazio deixado pelo pan arabismo acabou sendo ocupado pelos movimentos islâmicos que tiveram e têm setores não sectários que são antiimperialistas conseqüentes e progressistas como o caso do Hezbolah no Líbano e o Hamas na Palestina e outras mais sectárias e fundamentalista que não tem cumprido este papel.]

Uma nova situação para o mundo árabe

A revolução na Tunísia pode abrir uma nova etapa; ela se coloca como um movimento laico e amplo – na qual a juventude tem jogado um papel fundamental –, que nasce das reinvidicações democráticas contra a repressão e a situação econômica da crise que domina a região que tem provocado altos índices de desemprego. Não por acaso o estouro ocorreu no dia 17 de dezembro quando Mohamed Bouazizi, um desempregado universitário de 26 anos, se auto incendiou como protesto contra a crise. A corrupção do regime autocrático e o desemprego crescente foram os motores das manifestações sociais encabeçadas pela juventude.

É muito difícil de acreditar que esta grande revolta que custou a vida de dezenas de jovens que deram o sangue por ela, na qual está participando um amplo setor da população, de intelectuais e de movimentos democráticos de contentem apenas com a saída de Bem Alí. Seguramente começou um novo processo na Tunísia já que os trabalhadores e o povo arrancaram as suas camisas de força que os detinham vão lutar por democracia, trabalho e salários e terão de enfrentar a dependência do FMI e dos capitais estrangeiros. O regime era o preferido do Fundo Monetário Internacional e dos países europeus. A família da esposa do presidente acumula grande parte do poder econômico do país, logo a sua queda coloca em xeque a estrutura e o modelo econômico vigente no país. Como explicava o cronista do “El País” (www.internacionalpsol.wordpress.com) “Quando compra um computador, ou um celular, um carro ou uma pasta de dente, está comprando da família”.

Bem Alí caiu como resultado desta grande mobilização e também porque o exército não entrou abertamente para reprimir. Os mais lúcidos meios de comunicação europeus estão passando o recado tanto para seus governos quanto para o exército da Tunísia. Que este último entenda e garanta como fez na “Revolução dos Cravos”, uma revolução pacífica para um regime democrático. E aconselhando para preparar por um processo de democratização da região, já que tem deixado claro que a segurança em Magreb não à seguram os “déspotas”, que é melhor abrir um processo democrático à democracia antes que novas revoluções democráticas surjam.

O que sucede no futuro dependerá principalmente do que o povo queira; como em toda a revolução esse sempre teve a primeira palavra e terá a última. A juventude da Tunísia tem lutado dia pós dia até derrubar Bem Alí. A juventude que saiu as ruas, que desafiou a repressão e o povo que a apoiou, ganharam o primeiro round. Tiveram de pagar com um alto preço de sangue e dificilmente queiram lhes entregar sem que suas reivindicações comecem a serem resolvidas. Os jovens das cidades, os democratas e os reformistas provaram hoje que é possível ganhar de uma autocracia, mesmo que ela seja apoiada pela Europa e os Estados Unidos.

Caso, como acreditamos, este processo se aprofunde, a revolta da Tunísia poderá ter profundas repercussões em todo o norte da África e Oriente Médio: as ditaduras da Argélia e Egito em primeiro lugar, mas também Marrocos, Jordânia, Líbia, Arábia Saudita podem ser os próximos passos.

Últimas noticias; a revolução se aprofunda

As últimas notícias mostram que na Tunísia há revolução democrática avança enfrentando a resistência do antigo regime. Em resposta aos saques e operações terroristas que estão fazendo as tropas vinculadas ao Ben Ali se formaram comitês por bairros de autodefesa que incluso controlam a circulação das estradas. Trata-se de um processo que se generalizou e abrange a todos os bairros populares e a muitas cidades onde atuam as bandas do Ben Alí. Por sua parte o exército há roto com o velho regime. Tropas especializadas saíram às ruas e tomaram o palácio presidencial que estava em mãos da guarda do ex-presidente.

O vácuo de poder não está ainda resolvido. O premer ministro Mahomed Gacunchi durou 16 horas no poder como presidente e foi substituído pelo presidente do parlamento. Este se apresou a convocar eleições gerais em 90 dias e está chamando a formação de um governo de unidade nacional com partidos opositores excluindo ao Partido Comunista do Tunísia que conta com influencia em sindicatos e rechaçou a formação deste governo. Miles de presos ou escaparam ou forma liberados entre eles o presidente do Partido Comunista do Trabalho.

Ao mesmo tempo, a revolução tunisina começa a ter eco nos países árabes. O jornal “El País” informa que começam a brotar protestos. A situação mais dramática “se registrou em Argélia, onde um homem de 37 anos se queimou ao “bonzo” na região da Tebessa, perto da fronteira com Tunísia, para protestar pela falta de emprego, seguindo o exemplo de uma ação que desencadeou os protestos na Tunísia. Esta é a quarta tentativa de suicídio por fogo que se registra em Argélia desde quarta-feira passada, segundo o jornal “Watan”. Em todos os casos se trata de homens jovens sem emprego”.

“Líbia, outro país magrebí, está sendo também cenário de algumas protesta nas cidades da Darna e Bengasi, onde se estariam registrando incidentes e queimas de alguns comércios. Há também focos de protestos no Trípoli, onde se desdobraram as forças de segurança”. As informações, que procedem das redes sociais de Internet, são escassas. O Governo de Kaddafi bloqueou Youtube esta tarde’.

“El País” reporta também que “milhares de universitários se manifestaram em Sanem, a capital do Yemen, para solidarizar-se com os tunisinos e chamar os povos árabes a rebelar-se contra uns dirigentes "mentirosos e assustados". "Tunísia da liberdade, Sanem te saúda mil vezes", cantaram os estudantes, que também lançaram ordens contra Alí Abdalá Saleh, presidente do Yemen há 32 anos”.

E no Jordânia encabeçaram os protestos “umas centenas de militantes de sindicatos e partidos islâmicos, que se plantaram ante a sede do Parlamento, no Ammán, para pedir a demissão do primeiro-ministro, Samir Rifai, junto com reformas políticas e eleitorais. Além disso, criticaram ao Parlamento por dar, faz um mês, um voto de confiança ao Governo com uma maioria sem precedentes”.

Cronologia dos protestos (do jornal “El País” da Espanha)

17 de Dezembro – Mohamed Bouazizi, um desempregado de 26 anos, se taca fogo em Sidi Bouzid como ato de protesto pela crise. Bouazizi faleceu no hospital no dia 5 de janeiro.

24 de Dezembro – Morrem os primeiros manifestantes por causa dos disparos da polícia num protesto em Menzel Bouzayane, uma cidade localizada no centro do país.

2 de Janeiro – Um grupo de hackers Anonymous anuncia a operação Tunísia em solidariedade as manifestações. As redes do Governo da Tunísia entram em colapso por uma série de ataques digitais.

4 de Janeiro – Os opositores anunciam uma greve geral em protesto a repressão governamental.

7 de Janeiro – As autoridade lançam uma grande operação contra os dissidentes e detém dezenas de jornalistas, ativistas e opositores ao regime. A oposição dá por desaparecido vários.

8 de Janeiro – O sindicato UGTT se soma a mobilização popular. Morrem seis manifestantes e outros seis são feridos gravemente numa manifestação em Tala. Outras três pessoas morrem em enfrentamentos com a polícia na região de Kasserine.

10 de Janeiro – Num discurso televisionado, Bem Alí tenta acalmar os ânimos da população e promete 300.000 novos postos de trabalho.

11 de Janeiro – O governo reconhece 18 mortos nos enfrentamentos, enquanto o sindicato fala em mais de 50. Continua os protestos e Bem Alí declara toque de recolher em Beja, Gafsa, Kasserine e Telab.

12 de Janeiro – O toque de recolher se estende a capital, tomada por veículos blindados. O primeiro ministro, Mohamed Ghanuchi, destitui o ministro do interior, Rafik Belhaj Kacem, e anuncia a libertação de alguns detentos.

13 de Janeiro – O presidente da Tunísia anuncia sua saída em 2014 e promete “uma completa e profunda mudança no regime político”. A violência não para nas ruas e se registra mais 13 mortos.

14 de Janeiro – Milhares de pessoas se manifestam na capital ao grito de “Fora Bem Alí!”. O presidente destitui o governo e decreta estado de sítio. Bem Alí não pode com a pressão e abandona a Tunísia. O primeiro ministro Ghanuchi assume a presidência interina do país.


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Pedro Fuentes é Secretaria de Relações Internacionais PSOL

É presidenta sim!

Por: Marcos Bagno

O Brasil ainda está longe da feminização da língua ocorrida em outros lugares. Dilma Rousseff adotou a forma “presidenta”, que assim seja chamada.

Se uma mulher e seu cachorro estão atraves-sando a rua e um motorista embriagado atinge essa senhora e seu cão, o que vamos encontrar no noticiário é o seguinte: “Mulher e cachorro são atropelados por motorista bêbado”. Não é impressionante? Basta um cachorro para fazer sumir a especificidade feminina de uma mulher e jogá-la dentro da forma supostamente “neutra” do masculino. Se alguém tem um filho e oito filhas, vai dizer que tem nove filhos. Quer dizer que a língua é machista? Não, a língua não é machista, porque a língua não existe: o que existe são falantes da língua, gente de carne e osso que determina os destinos do idioma. E como os destinos do idioma, e da sociedade, têm sido determinados desde a pré-história pelos homens, não admira que a marca desse predomínio masculino tenha sido inscrustada na gramática das línguas.

Somente no século 20 as mulheres puderam começar a lutar por seus direitos e a exigir, inclusive, que fossem adotadas formas novas em diferentes línguas para acabar com a discriminação multimilenar. Em francês, as profissões, que sempre tiveram forma exclusivamente masculina, passaram a ter seu correspondente feminino, principalmente no francês do Canadá, país incomparavelmente mais democrático e moderno do que a França. Em muitas sociedades desapareceu a distinção entre “senhorita” e “senhora”, já que nunca houve forma específica para o homem não casado, como se o casamento fosse o destino único e possível para todas as mulheres. É claro que isso não aconteceu em todo o mundo, e muitos judeus continuam hoje em dia a rezar a oração que diz “obrigado, Senhor, por eu não ter nascido mulher”.

Agora que temos uma mulher na Presidência da República, e não o tucano com cara de vampiro que se tornou o apóstolo da direita mais conservadora, vemos que o Brasil ainda está longe da feminização da língua ocorrida em outros lugares. Dilma Rousseff adotou a forma presidenta, oficializou essa forma em todas as instâncias do governo e deixou claro que é assim que deseja ser chamada. Mas o que faz a nossa “grande imprensa”? Por decisão própria, com raríssimas exceções, como CartaCapital, decide usar única e exclusivamente presidente. E chovem as perguntas das pessoas que têm preguiça de abrir um dicionário ou uma boa gramática: é certo ou é errado? Os dicionários e as gramáticas trazem, preto no branco, a forma presidenta. Mas ainda que não trouxessem, ela estaria perfeitamente de acordo com as regras de formação de palavras da língua.

Assim procederam os chilenos com a presidenta Bachelet, os nicaraguenses com a presidenta Violeta Chamorro, assim procedem os argentinos com a presidenta Cristina K. e os costarricenses com a presidenta Laura Chinchilla Miranda. Mas aqui no Brasil, a “grande mídia” se recusa terminantemente a reconhecer que uma mulher na Presidência é um fato extraordinário e que, justamente por isso, merece ser designado por uma forma marcadamente distinta, que é presidenta. O bobo-alegre que desorienta a Folha de S.Paulo em questões de língua declarou que a forma presidenta ia causar “estranheza nos leitores”. Desde quando ele conhece a opinião de todos os leitores do jornal? E por que causaria estranheza aos leitores se aos eleitores não causou estranheza votar na presidenta?

Como diria nosso herói Macunaíma: “Ai, que preguiça…” Mas de uma coisa eu tenho sérias desconfianças: se fosse uma candidata do PSDB que tivesse sido eleita e pedisse para ser chamada de presidenta, a nossa “grande mídia” conservadora decerto não hesitaria em atender a essa solicitação. Ou quem sabe até mesmo a candidata verde por fora e azul por dentro, defensora de tantas ideias retrógradas, seria agraciada com esse obséquio se o pedisse. Estranheza? Nenhuma, diante do que essa mesma imprensa fez durante a campanha. É a exasperação da mídia, umbilicalmente ligada às camadas dominantes, que tenta, nem que seja por um simples – e no lugar de um –a, continuar sua torpe missão de desinformação e distorção da opinião pública.

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Marcos Bagno é professor de Linguística na Universidade de Brasília.

Via CartaCapital